02 de julho de 2015 | 03h00
Quem viu o filme não esquece da fala de Lime, tentando justificar sua vilania, comparando os 30 anos de guerra, terror e sangue na Itália sob os Bórgias que produziram a arte de Michelangelo e Leonardo da Vinci e deram inicio à Renascença com os 500 anos de democracia e paz da Suíça, que produziram – o relógio cuco. Até hoje se especula se a fala é do roteirista Greene ou do próprio Welles. E há quem alegue que não é nem de Greene nem de Welles mas do pintor americano Whistler, num ensaio escrito no século 19.
Carol Reed fez alguns dos filmes marcantes da época, como O Condenado (Odd Man Out) e O Ídolo Caído, e colaborou com Greene em outros, como o Nosso Homem em Havana, ambientado na Cuba de Batista e filmado pouco depois da revolução castrista (dizem que Fidel assistiu à filmagem de algumas cenas), mas não chegou a merecer lugar num imaginário panteon de grandes diretores. Era dado a um expressionismo meio exibicionista, muita câmera enviesada e jogo de sombras. Mas o estilo funcionou maravilhosamente em O Terceiro Homem, que o redime de todos os excessos.
Graham Greene é outro, acho eu, cuja reputação desbotou com o tempo, no seu caso injustamente.
Ele dividia a sua obra entre romances e “entretenimentos”, e certamente encarou o roteiro de O Terceiro Homem, que depois publicou em livro, como exemplo da segunda categoria. Mas Greene, mesmo se divertindo, nunca estava longe dos seus temas preferidos de católico convertido: traição, culpa, remissão ou castigo. Em O Terceiro Homem tem tudo isso. Como no tempo dos Bórgias na Itália, anos de guerra, terror e sangue produziram Harry Lime.
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