Trechos do livro <i>A Morte é Contagiosa</i>, sobre James Bond

Três livros, dois já publicados no Brasil, contam a história do jovem James Bond

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Por Agencia Estado
Atualização:

Leia trechos selecionados do primeiro capítulo do livro A Morte é Contagiosa, da série Young Bond da editora Record, que também já colocou nas livrarias brasileiras outro livro da série: Missão Silverfin. Ambos do escritor inglês Charlie Higson, que recebeu a tarefa de contar o passado de James Bond em três livros. Há ainda Double or Die por sair. A Morte é Contagiosa Amy Goodenough era a garota mais sortuda no mundo. Ali estava ela, no Mediterrâneo, no belo iate de seu pai, quando deveria estar na escola. Era um dia glorioso. Afora a mancha de fumaça longa e preta ao sul, o céu era de um profundo e ininterrupto azul. Ela inclinou o rosto para pegar o calor do sol, respirou devagar e sorriu. Na verdade não tinha o direito de estar ali. Um incêndio havia destruído vários prédios de sua escola e determinado seu fechamento antecipado para o verão. Muitas outras garotas tinham sido levadas às pressas para outras escolas a fim de terminar o semestre, mas não Amy. Havia convencido facilmente o pai a deixá-la se juntar a ele em seu cruzeiro anual de primavera pelas ilhas gregas, sob a condição de que uma tutora pessoal fosse junto. Como a mãe de Amy tinha morrido de escarlatina dois anos antes, seu pai sentia-se muito só, e ficou feliz com a companhia da filha. Amy passava as manhãs na cabine com a tutora, Grace Wainwright, e no resto do dia podia fazer o que quisesse. Grace, uma jovem de Leeds, séria e ligeiramente nervosa, fora rígida a princípio, mas as batidas suaves da água no casco e o ar quente e perfumado das ilhas gregas logo haviam exercido a sua magia sobre ela. A cada dia as aulas ficavam mais curtas, as rugas de preocupação no rosto de Grace se suavizavam e a luz brilhava mais em seus olhos. Naquela manhã elas tinham acabado as aulas às onze horas. Grace havia suspirado e empurrado o livro de gramática francesa com o qual vinham lutando, depois fixou o olhar saudosa, através de uma escotilha, para um disco perfeito de céu azul. - Por hoje chega - disse ela. - Não conte ao seu pai. Amy subiu sobre a amurada e olhou a água. Era de um turquesa intenso e límpida como vidro. Podia ver a corrente da âncora descendo em ângulo, rodeada por um cardume de peixes que brilhavam enquanto entravam e saíam nadando dos dourados fachos de luz inclinada. Endireitou o corpo alongado e magro e se preparou para mergulhar. - Você não deveria estar estudando? Era a voz de seu pai, mas Amy fingiu não ouvir, esticou-se na ponta dos pés, dobrou os joelhos e saltou leve da borda do iate. Por um momento ficou suspensa no espaço, as águas azuis e límpidas do Egeu espalhadas sob seu corpo como um tapete brilhante. Então fez um arco para baixo e o mar correu para encontrá-la. Foi um mergulho perfeito; seu corpo mal perturbou a superfície - e a coisa que ela notou em seguida foi que estava lá embaixo, com os peixes, numa nuvem de bolhas prateadas. Voltou à superfície e nadou para longe do iate, em direção às rochas próximas que formavam uma parede ao redor do pequeno porto natural onde estavam ancorados. Depois de um tempo se virou e olhou de volta para o pai, que estava parado junto à amurada, acenando para ela. - Escute! Amy! Você não deveria estar estudando? - gritou ele. - Grace estava com dor de cabeça, papai! - gritou Amy de volta, mentindo com facilidade. - Vamos compensar mais tarde, quando não estiver tão quente. - Muito bem... Não deixem de fazer isso. O pai tentava ser severo com ela, mas nesse clima, nesse ambiente lindo, com uma vida assim preguiçosa, achava, como Grace, muito difícil manter qualquer senso de disciplina. Além disso, pensou Amy, mergulhando e espalhando um cardume de vermelhos, ela sempre soubera como dominá-lo. Era mais difícil para Mark, o irmão mais velho. Se tivesse havido um incêndio na escola dele, Mark seria levado imediatamente para outro lugar e não haveria discussão quanto à possibilidade de vir para a Grécia. O pai, Sir Cathal Goodenough, era um marinheiro de fio a pavio. Tinha entrado para a Marinha aos dezesseis anos e servido sob o comando de Jellicoe na batalha de Jutlândia, antes de chegar ao posto de almirante em 1917. Recebera o título de cavaleiro por serviços prestados na Grande Guerra, protegendo comboios contra ataques de submarinos no Atlântico. (...) Chegou às pedras e saiu da água, para ficar sentada ao sol, esquentando-se. Era fim de maio, ainda suficientemente cedo no ano para que começassem a se fazer sentir algumas correntes frias ocasionais no mar. Sacudiu as gotas brilhantes da pele sardenta e olhou para o litoral. Um denso bosque de ciprestes verde-escuros chegava até a pequena praia de areia onde, na noite anterior, eles haviam montados mesas e jantado sob as estrelas. A ilha, uma das Cíclades que se espalhavam pelo mar ao sul de Atenas, era minúscula e desabitada, e sequer aparecia na maior parte dos mapas. (...) Escutou o navio antes de vê-lo. Um som oco e latejante, mas não pensou a respeito. O Mediterrâneo era uma estrada marítima apinhada havia séculos. (...) - Olá, Sereia! Goodenough franziu os olhos por sobre a água e vislumbrou a figura de um homem louro atarracado, com barba bem aparada. - Olá - gritou. - Vocês estão bem? - Problemas no motor - gritou o homem de volta. Goodenough tentou identificar o sotaque. Parecia do leste europeu, mas não conseguiu saber de onde exatamente. - Posso ajudar em alguma coisa? - gritou ele. Qualquer marinheiro tinha o dever de ajudar um colega com problemas no mar. Mas, ao mesmo tempo em que gritava, viu que o outro navio já havia baixado um barco a remo. Sem dizer mais nada, o homem louro saltou por sobre a amurada e caiu habilmente no escaler, num movimento pouco convencional mas altamente dramático. Seis marinheiros fortes puxaram os remos e o barco acelerou em direção ao Sereia. Goodenough franziu a testa. Algo parecia não estar totalmente certo. Olhou a tripulação e viu dois chineses, outros dois que pareciam africanos, um homem magro de pele pálida e com nariz partido, e um gigante quase nu, careca e tatuado, dos mares do Sul, usando chapéu de palha feminino e fumando um charuto gordo. (...) Com um choque, Goodenough percebeu que, enquanto ele e a tripulação eram distraídos, outro barco a remo havia saído do cargueiro a vapor e vários outros marinheiros tinham subido a bordo. Esse novo grupo, sim, estava armado - com facas, alfanjes e pistolas que rapidamente entregaram aos colegas. O gigantesco nativo dos mares do Sul recebeu um arpão de baleia, que segurou com tranqüilidade numa das mãos enormes e tatuadas. Com a outra retirou o charuto da boca e cuspiu um floco de tabaco no convés. - O que significa isso? - perguntou Goodenough, ultrajado, embora soubesse muito bem do que se tratava. Eles eram piratas, e não existia nada que pudesse fazer. (...) A Sociedade do Perigo James Bond odiava sentir-se preso. Onde quer que estivesse, sempre queria saber que existia uma saída. E, de preferência, mais de uma. Deitado em seu minúsculo quarto sob os caibros do telhado em Eton, vislumbrava todo o prédio que adormecia embaixo. Caminhou, mentalmente, pelo escuro labirinto de corredores e escadas que formavam a casa de Codrose. Havia várias portas embaixo, mas os garotos só tinham acesso a uma, e agora, à noite, ela devia estar trancada. Isso não o preocupava. Ele possuía seu próprio modo de entrar e sair do prédio, sua própria rota secreta da qual ninguém mais sabia. Para James, a coisa mais importante era ser livre, estar no comando da própria vida. Realmente não se encaixava em Eton, com suas regras intermináveis e tradições antiqüíssimas. Eton não podia segurá-lo. Ficou perfeitamente imóvel na cama estreita e desconfortável, tentando ouvir qualquer som. Nada. Tudo estava silencioso. Saiu de baixo do lençol e foi até o pufe. Do meio da bagunça que se acumulava ali, tirou uma calça preta, uma camisa de rugby azul-escura e um par de sapatos com solas de borracha, sempre atento aos possíveis barulhos. Vestiu a roupa por cima do odiado pijama. Como desejava não precisar usá-lo! Em especial numa noite quente e abafada como aquela, quando o ar pairava pesado e nenhuma brisa entrava pela janela aberta. Mas o bedel da casa, Cecil Codrose, tinha estabelecido a regra de que todos os garotos que estavam sob seus cuidados deveriam dormir de pijama e mantê-lo abotoado até o pescoço. Desde que um incêndio havia destruído uma das casas em 1903, matando dois garotos, a escola havia empregado "vigias noturnos", senhoras e senhores idosos, da cidade, que arrastavam os pés pelos corredores à noite farejando fumaça. James não estava preocupado com sua vigia noturna, uma velha pequenina chamada Florence. Era fácil livrar-se dela. Mas se preocupava com Codrose. Ele gostava de se esgueirar pela casa a qualquer hora do dia ou da noite, tentando pegar os garotos que se comportassem mal, e James tinha bolado o plano de salpicar açúcar nas tábuas do piso para fazer barulho sob os pés e revelar qualquer pessoa que tentasse chegar perto. Agora não havia qualquer som raspado. Nenhum movimento em qualquer parte do prédio. Por enquanto, estava em segurança. Assim que se vestiu, removeu uma pequena seção do rodapé e soltou um tijolo da parede. Atrás dele ficava o esconderijo onde mantinha seus objetos de valor. Pegou o canivete e a lanterna e os colocou no bolso da calça. Depois ajeitou tudo de novo e abriu cuidadosamente a porta do quarto. Mantinha as dobradiças e a fechadura bem lubrificadas com gordura de bacon, de modo que a porta se abriu sem qualquer rangido. Houve um estalo e James parou. Mas era apenas o prédio de duzentos anos se acomodando. Olhou o corredor à esquerda e à direita, iluminado por uma fraca luz elétrica em cada extremidade. Outra das idéias de Codrose. O corredor estava vazio, a não ser por uma grande mariposa marrom que lançava sombras enormes batendo as asas nas paredes de um verde sem graça. O quarto de James ficava no último andar. À direita havia uma escada estreita e uma parede que separava os garotos da parte do prédio ocupada por Codrose. (...) Quando chegou à outra extremidade do telhado, passou pela crista e deslizou cuidadosamente para baixo, até uma ampla calha de pedra. Caminhou pela calha como um acrobata da corda bamba, estendendo os braços para se equilibrar, até chegar à outra extremidade. Essa era a parte mais perigosa do caminho: pular por cima de um pequeno beco calçado de pedras até o prédio do outro lado. (...) - Quem é? - James Bond. - Entre. O telhado desse prédio era semelhante ao de Codrose, com uma seção plana no topo, entre as chaminés, mas este era menor e não tinha nada grandioso como a cúpula de Codrose. Afora um pequeno alçapão no meio, não havia qualquer coisa especial. Mas era o perfeito esconderijo para um grupo de garotos aventureiros que se autodenominavam Sociedade do Perigo. Havia muitos clubes em Eton - a Sociedade Musical, a Sociedade do Cinema, a Sociedade de História Natural e a Sociedade Arqueológica, por exemplo. Mas a Sociedade do Perigo era diferente. Era uma sociedade secreta formada por garotos que gostavam de correr riscos. Se a Sociedade do Perigo fosse descoberta, seus membros estariam seriamente encrencados.

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