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Trama relança entrevistas do programa de Fernando Faro

Antigas entrevistas podem ser vistas agora em DVD. No final do mês, é a vez de Jair Rodrigues

Por Agencia Estado
Atualização:

Fernando Faro, diretor do clássico programa Ensaio, exibido pela TV Cultura, chama todo mundo de baixo, baixinho. "Ô, baixo" vai para Chico Buarque, Baden Powell e todos mais de quem Faro é amigo ou tem algum tipo de contato. Falou com ele, virou "baixo". Ou "baixa". Em geral, o tratamento é retribuído na mesma moeda. E ele gosta disso. Faro aprendeu com Cassiano Gabus Mendes a se referir às pessoas assim, depois que entrou na TV Tupi. "Cassiano me chamava de baixo e passei a tratá-lo assim também." Num primeiro momento, Cassiano, diretor artístico da emissora, nem queria ver a carta de recomendação que Faro trazia. Já tinha boas referências dele e encomendou ao novo funcionário, em experiência por três meses, um programa de vanguarda. Para ontem. Ele criou, o que o fez ser efetivado na casa. Mas isso já é uma outra história. O fato é que, mesmo com sua vasta experiência na televisão, foi com Ensaio que Faro parece ter encontrado seu ápice. Criou em 1969 um formato de programa para lá de inovador, que se sustenta até os dias de hoje na telinha. Em mais de 600 entrevistas - a esta altura do campeonato, o apresentador já perdeu as contas -, a nata da música popular brasileira sentou no banquinho do programa - que bem pode ser comparado a um divã - e expôs sua vida e obra de maneira sincera. Assim foi com Elis Regina, no programa gravado em 1973 e lançado em DVD pela Trama, em fins de 2004, após passar por um processo de restauração. O apresentador conta que trechos dessa entrevista se perderam com a ação do tempo. Ao menos, foi só uma parte. A mesma sorte não tiveram outros programas, como o dos Novos Baianos, conta Faro. Por isso, aos poucos, a série de entrevistas está sendo recuperada em DVD, depois da experiência bem-sucedida com aquele primeiro de Elis Regina. Nesse meio tempo, a gravadora Trama já lançou Ensaio com Tom Zé, Gal Costa, Tim Maia (que, sim, compareceu no dia marcado para a entrevista!) e Baden Powell. No fim do mês, é a vez de Jair Rodrigues. "Jair é um cara simpático, simples à beça. É tão simples, que não dá para fazer um show rigoroso com ele. ´Está vendo a luz, Jair?´ Não adiantava, ele não ficava embaixo do foco de luz." Em entrevista, feita em 1991, Jair abre seu coração. Nascido em Igarapava, interior de São Paulo, o cantor descreve, sem rodeios, a infância pobre e de lida na roça. Fala sobre a importância da mãe ("Minha mãe é uma figura maravilhosa"), do fato de não ter conhecido o pai, de ter começado a cantar na igreja, de como o irmão o levou para morar com ele em Osasco e a carreira deslanchou. Faro, aliás, sempre começa suas entrevistas fazendo o convidado puxar pela memória suas origens e influências musicais. Assim foi com Jair, assim é com todos. Sem acertos prévios, tudo ali é no calor do momento, no tête-à-tête. "Digo para o entrevistado: me conta tudo, se seu pai te batia?, como ele te batia? Essas coisas vão se completando", explica ele. "Com o improviso, às vezes, acontecem os erros e acho isso ótimo." Além de colocar a nata da MPB no divã, Ensaio tem algumas características muito próprias. Uma delas está no enquadramento das câmeras, em geral, fechado em close no rosto do entrevistado ou nos detalhes: um gesto, um olhar, um movimento. Outro aspecto está no formato do programa em si, no qual o convidado fica em evidência o tempo todo enquanto Faro, o entrevistador, fica fora do alcance das câmeras. A idéia desse formato veio de outra vivência dele na televisão. Foi em 1959, quando era editor-chefe de um jornal da extinta TV Paulista e estava acompanhando a caça de dois bandidos famosos na época: Promessinha e Jorginho. Promessinha foi preso primeiro. Jorginho foi tempos depois, pego durante um jogo de bolinha de gude. Faro conseguiu uma entrevista com o bandido, mas na condição de não entrar na cela. A solução foi colocar o microfone dentro dela, enquanto ele fazia as perguntas do lado de fora. "Peguei esse material e fiz uma montagem só com perguntas. Essa foi uma solução legal", recorda. "Me inspirei numa teoria que diz: quanto menos ruído melhor. E para mim, ruído é o apresentador." Faro levou o formato para seu Ensaio. No entanto, mesmo longe das vistas do público, Faro se posiciona sempre muito próximo de seus entrevistados, que, na grande maioria das vezes, são seus amigos fora dali. E essa intimidade, admite ele, conta a seu favor. "Na conversa com Wanda Sá, ela me disse que, quando conheceu Edu Lobo, sabia que ia se casar com ele. ´E me casei´, ela disse. Perguntei como tinha sido a separação deles. Ela respondeu: ´Foi terrível, baixo.´ Aí coloquei a mão na perna dela e ela continuou: ´Ainda dói´. Essa coisa do contato físico é muito importante", acredita ele. A amizade e o respeito que o diretor conquistou dentro do meio musical (não como parte da história da música, mas como testemunha dela, ele diz) se revertem em boas histórias. Uma delas é a de Tim Maia, que tinha fama de não aparecer nos compromissos. Pois ele não só aceitou o convite de participar do programa como compareceu com horas de antecedência, junto com sua banda Vitória Régia, recorda o apresentador. O fato, nada comum, merece constar nos altos. O Ensaio com Tim, de 1992, ressalta seu bom humor. Descontraído, o cantor lembra da parceria com Roberto Carlos na banda Os Sputniks. Com o fim do grupo, Tim ficou tão desgostoso que foi para os EUA. Foi na aventura e com poucos dólares no bolso. Faro tem também boas histórias com o "baixo" Chico Buarque, um dos primeiros entrevistados da série. Como na vez em que Chico queria pregar uma peça em Toquinho e propôs a Faro que ficasse estirado na rua, descalço, como se tivesse sido atropelado. Faro entrou no espírito da brincadeira e tascou-lhe uma contraproposta. "Acho que deveria ser você o atropelado, eu não sou notícia." O apresentador torce para que o programa com o amigo Chico entre logo na fila dos DVDs lançados pela Trama. Mas esse lançamento, assim como o de outros casos, depende da liberação dos direitos autorais. Enquanto os títulos antigos não chegam a público, Faro mantém sua agenda de novas entrevistas. Para este mês, tem encontro marcado com Gilberto Gil e Bibi Ferreira.

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