
10 de julho de 2010 | 00h00
Dá arrepios ouvir Debussy provando que toca piano de modo tão suave, como se não tivesse martelos, em sua deliciosa Children"s Corner; ou então Mahler em carne e osso interpretando alguns de seus lieder. Que milagre é este, já que nas duas primeiras décadas do século 20 a tecnologia nascente de gravação e reprodução fonográfica apresentava resultados ruins?
O caso é que, enquanto o gramofone de Thomas Edison avançava a passo de tartaruga, uma tecnologia alternativa conquistou os consumidores de música gravada com uma proposta de qualidade. Entre 1904 e 1925 os chamados piano rolls eram uma febre de consumo dos que desejavam ouvir música com sonoridade decente. O slogan de vendas era: "Os dedos dos grandes mestres no seu piano."
Os rolls são rolos de papel que registram em papel perfurado o toque do pianista, e depois podem ser "tocados" em pianos especiais pisando-se apenas nos pedais pneumáticos. O artista assinava cada rolo e tinha sua foto estampada no início, para autenticação. Há poucos anos, os piano rolls de Gershwin fizeram furor porque reproduzem, em tese, o toque original do pianista em condições técnicas excepcionais. Para nós, hoje, é como se compositores-pianistas e virtuoses como Guiomar Novaes, por exemplo, tivessem gravado, num passe de mágica, em moderno estúdio digital.
Os primeiros piano rolls e pianos especiais foram vendidos na Alemanha em 1904, pela Welte-Mignon. Com ela logo passaram a competir empresas americanas: Duo-Art, da Aeolian Company, e Ampico, da American Piano Company. No auge dos piano rolls, apenas a Duo-Art vendeu 192 mil pianos especiais nos EUA. Havia até concertos públicos, recitais de lieder em que a cantora se acompanhava ao piano roll, inclusive recitais para duos de pianos especiais reproduzindo piano rolls. Visualmente a coisa é meio surrealista, porque as teclas abaixam e levantam sozinhas.
A vantagem é a qualidade da reprodução. Podemos ouvir Mahler, Richard Strauss ou Saint-Saëns num autêntico Steinway de concerto cauda inteira ou então num Bösendorfer. Desvantagens: segundo os críticos, perdem-se as sutilezas, o som fica mais chapado, as dinâmicas esmaecem.
Na época, as opiniões eram bastante favoráveis. O compositor francês Darius Milhaud, que gravou piano rolls, era um entusiasta da novidade: "Ele reproduz com igual rigor os menores detalhes e maneirismos do artista." O lendário maestro Arthur Nikisch considerava difícil acreditar "que o artista não está presente, tamanha a perfeição".
Nos anos 60/70, quando já se dispunha da tecnologia do LP estéreo em todo o seu esplendor, o pianista Arthur Rubinstein ouviu seu ídolo, o pianista-compositor Ferruccio Busoni (1860-1924), pilotando um piano roll. Detestou: "É uma caricatura." O pianista Benno Moisewitsch (1890-1963) chegou a ouvir, em 1962, gravações de piano rolls que fizera 40 anos antes. Sobre algumas, achou uma estupidez; a respeito de outras, considerou-as muito fiéis à sua interpretação.
Os piano rolls desapareceram no fim dos anos 20, com alguns avanços do gramofone, mas sobretudo devido à ascensão do rádio.
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