Tônia Carrero: "A vida me deu muito e eu aproveitei"

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Por Agencia Estado
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Não é fácil encontrar Tônia Carrero às vésperas da estréia de A Visita da Velha Senhora, que ela estrela e produz, com mais de 50 pessoas dependendo de suas decisões e um público ávido para vê-la brilhar, como acontece há 52 anos. Ela chega atrasada, se recusa a falar, porque está em cima da hora para o ensaio aberto, não atende ao telefone no dia seguinte e se desfaz em gentilezas na terceira tentativa, no limite do prazo. Aí, então, se abre sobre seus amigos, a família, amores e sonhos, passados e futuros. Uma estrela como ela pode, merecidamente, se dar a esses luxos, assim como cobrar do presidente Fernando Henrique Cardoso condições para comemorar 80 anos numa superprodução. "Eu o procurei e ele viabilizou os patrocínios", disse à reportagem, no último domingo, enquanto se preparava para viver, em ensaio aberto, a amarga Clara Zahanassian, tão diferente da atriz. Ela conta com um pool de estatais (Petrobras, BR-Distribuidora, Correios, Eletrobrás e Caixa Econômica Federal) para bancá-la nessa peça que escolheu montar pelas dificuldades que apresenta. Agência Estado - Por que um clássico como "A Visita da Velha Senhora" nos seus 80 anos? Tônia Carrero - Dürrenmatt não é clássico, porque é muito recente, é posterior a Sartre e ninguém chama Sartre de clássico. Escolhi o texto pelas dificuldades que apresenta. A Clara tem nuances, ela sofre por fazer sofrer, é malvada, mas não queria sê-lo. Há 32 anos, o Adolfo Celi queria que eu fizesse esse papel, na companhia que tínhamos com o Paulo Autran. Achei que não estava pronta ainda e o Paulo saiu para fazer My Fair Lady. Hoje, estou pronta, mais velha e amadurecida para ser a Clara, mas o Celi, como sempre, tinha razão. Ele me queria envelhecida, mas ainda em plena forma física. Ela é um poço de amargura, vingativa. Onde você busca esses sentimentos para vivê-la? Tenho de buscá-la fora de mim, inclusive porque o texto é traduzido do alemão e tenho de estudar como essas palavras seriam ditas em português com a mesma intensidade. Tenho de buscar jeitos, bocas e andares que não são meus. A Clara não é malvada, é amorosa, mas foi frustrada em seus ideais e só acredita no poder. Tem atitudes drásticas, mas tem seus encantos. Só que se esqueceu deles. Tem uma cena em que pergunta a um personagem, amigo desde a adolescência, como era antes de ter tantos desgostos e arrependimentos. Você também tem arrependimentos como a Clara? Nenhum. A vida me deu muito e eu soube aproveitar. Mas uma atriz vive de observar, precisa ter misericórdia e pena da humanidade para realizar bem o seu trabalho. Se eu não chegar ao coração daquela pessoa que é a personagem que vou viver, não saberei representar. Ainda hoje, a vida me dá muita coisa. Aos 80 anos, como você lida com a idade? Não tenho mais a agilidade nem a aparência física da juventude, mas nunca lidei com isso de forma envaidecida. Eu sei que a beleza física exerce um poder sobre os homens, que só vai até os 55, 60 anos, no máximo. Aliás, quando me tornei avó, aos 48 anos, os homens já se assustaram e começaram a se afastar. Mas eu fui muito feliz em meus três casamentos, todos longos. Fiquei casada 10 anos com o Carlos Thiré, pai do meu filho, Cecil; 12 com o Adolfo Celi, que me tornou uma atriz completa e 15 com o Cesar Thedin, um empresário. Acho que o último durou mais porque eu estava mais velha e mais tolerante, não fazia mais pequenas maldades da juventude. Por que você escolheu uma superprodução para comemorar 80 anos e como a viabilizou? Eu adoro estar cercada de tanta gente, no palco e nas coxias, saber que proporciono 50 empregos para artistas e trazer para minha companhia amigos com quem eu havia trabalhado há muito tempo. Sempre foi assim. Eu tive companhias fixas que contratavam por ano um cenotécnico, um iluminador. Hoje é que não é mais possível, mas eu achei que devia levar o problema ao presidente da República. Como alguém como eu não tem dinheiro para comemorar seus 80 anos no palco? Eu o procurei e ele viabilizou os patrocínios, me abriu as portas. Aí você se cercou de seus amigos. É claro, sempre foi assim também. A produtora é Norma Thiré, minha ex-nora. Uma irmã do Cecil, por parte de pai, e um sobrinho do Carlos Thiré estão atuando e por aí vai. Manter essas convivências é um equilíbrio delicado, mas é preciso preservá-las porque, se os laços com o parceiro acabam, a amizade deve permanecer, senão, é porque não houve amor. Você já trabalhou com os grandes diretores brasileiros, inclusive seu filho, Cecil Thiré. Por que escolheu o Moacyr Góes agora? O Cecil é um grande diretor, um dos maiores com quem trabalhei, comparável com o Fauzi Arap. Já o Moacyr eu escolhi no faro e acertei em cheio. Ele reconhece as qualidades dos atores, entende nossa ânima e nos faz acertar. Normalmente, sou dócil com meus diretores, como um soldado raso diante do comandante. O diretor tem de buscar o que há de melhor dentro da gente, é ele quem nos faz aflorar. E o Moacyr tem essa qualidade. Você pretende viajar com esse espetáculo? Gostaria muito, mas preciso de patrocínio porque é muita gente. Adoraria encontrar um patrocinador, um Abílio Diniz, uma Votorantin. Para eles não será tão caro. Ficarei só três meses no Rio, mesmo que faça sucesso, pois não deu para encompridar o contrato com a Caixa Econômica (proprietária do Teatro Nelson Rodrigues). Mas seria muito bom me apresentar também em Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília, principalmente lá, no centro do poder. Vamos ver se aparece um patrocinador.

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