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Todos dizem eu te amo, Sally

Atriz fala do longo processo para integrar o filme 'Lincoln' e da afinidade com Daniel Day-Lewis

Por Tonica Chagas/Nova York
Atualização:

"Apesar de a TV ser mais respeitada hoje em dia, ainda existe uma resistência a atores que fazem televisão por muito tempo e achei que este era o meu caso", conta na entrevista a seguir a atriz Sally Field, que precisou fazer dois testes antes de ser aceita como intérprete de Mary Todd, mulher de Abraham Lincoln, no novo filme de Steven Spielberg. Sobre sua personagem, Sally garante que ela teve papel fundamental na jornada para Lincoln tornar-se presidente, ao descobrir o brilhantismo daquele homem quando ele ainda era um jovem advogado. Além de estudar muito o personagem, um dos poucos recursos extras que você usou para interpretar Mary Todd foi comer...

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Sally Field - 

Eu sabia que haveria problemas porque sou 10 anos mais velha que Daniel, 20 anos mais velha que Mary e Lincoln era 10 anos mais velho que ela. Steven avisou que a luz seria dura, que os atores não usariam próteses e teriam pouca maquiagem. Eu lhe disse que, sabendo como Daniel trabalha, não iria parecer mais velha do que ele. Lincoln e Mary tinham aparência esgotada pelas emoções, pela guerra, pelo luto e pela enorme responsabilidade sobre os ombros deles. Disse a Steven que iria parecer gorda e esgotada. Engordei 11 quilos...

Mesmo convidada a interpretá-lo já no início do projeto para este filme, você precisou pedir um teste a Spielberg para provar que poderia, sim, ficar mesmo com o papel de Mary Todd. Por quê?

Sally Field - 

Na verdade, fiz dois testes. Steven me convidou para o papel em 2005, mas passou um tempão até que a feitura do roteiro fosse, enfim, entregue nas mãos de Tony Kushner, autor do excelente texto que foi para a tela - um presente para atores! Quando Daniel Day-Lewis embarcou no projeto, senti que ia começar. Mas passou tanto tempo desde que me fez o convite, que Steven achou, então, que nós não combinávamos, que havia uma porção de razões... Eu disse que não ia desistir e pedi: "Não quero que desista de mim, faça um teste comigo". Ele fez porque é muito generoso e curioso.

Como foi o teste?

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Sally Field - 

Daniel estava na Irlanda, tinha recém-começado o seu processo para tornar-se Lincoln. Steven não achava certo invadir aquele processo e, por isso, fiz o teste sozinha. Foi uma versão inicial do monólogo dela diante do líder republicano Thaddeus Stevens numa recepção na Casa Branca. Acho que não foi lá essas coisas...

Por quê?

Sally Field - 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

No dia seguinte, Steven me telefonou, dizendo que ainda achava que não daria certo. Ele tentou nos ver juntos, colocou minha cena com algumas filmagens recentes de Daniel e não via como poderíamos funcionar juntos. Agradeci, desliguei e tentei viver o resto daquele dia. Foi bom que consegui porque ele me telefonou no outro dia. Disse que não tirou aquilo da cabeça, falou com Daniel e mandou aquela minha filmagem para ele. Contou que Daniel gostaria de me encontrar. Aí foi aquilo tudo para acertarmos: ele na Irlanda, nós na Califórnia, talvez tomar um café em Nova York... Depois disso, recebi um telefonema do escritório de Steven e me perguntaram se eu queria ver o pessoal de maquiagem e cabeleireiros. Fiquei pensando: "Para tomar um café?". Então explicaram que Daniel não achava justo para Steven avaliar se funcionaríamos juntos se não nos visse juntos. Nós nos encontramos uma tarde, vestidos como Lincoln e Mary Todd, fizemos uma hora e meia ou duas horas estranhíssimas de improvisação. Nenhum de nós lembra o que fez, o que disse. Agradeci e, no caminho para casa, meu telefone tocou. Steven e Daniel, juntos, perguntaram se eu faria o papel... 

No seu processo de pesquisa, houve alguma coisa ou momento específico para determinar a linha da sua Mary Todd?

Sally Field - 

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Não creio que tenha havido um momento específico. Há sempre um conhecer desconhecido... Parte da interpretação é recolher o máximo de informação possível em cestas, em bolsos, onde for possível na sua cabeça... Recolhi toda informação que pude a respeito da infância dela, seu passado, incidentes reais, documentação do que ela realmente fez. Visitei a casa dela, tentando criar o que a cercava, o seu exterior. E depois (no processo de criação) a gente deixa tudo e simplesmente é! Nunca tive um momento específico porque nunca estive fora dela para julgá-la e dizer: "Isso é o que ela é". Daniel e eu trabalhamos de maneira muito parecida. Desde o primeiro momento que entramos no set juntos e durante os dias, semanas e meses seguintes não houve um momento em que ele não fosse o Sr. Lincoln e eu não fosse Mary.

Mary Todd era uma mulher singular numa área - a política - dominada por homens. Distanciando-se do personagem, como você a vê?

Sally Field - 

Ela cresceu numa família politicamente influente, tinha muito mais ambição, inteligência e educação, mas não tinha como canalizar isso - exceto por intermédio de um homem. Por isso escolheu seu marido com muito cuidado. Ela conheceu Abraham Lincoln quando ele era um jovem advogado muito simples. Ela era muito jovem, tinha seus 20 anos e, no entanto, reconheceu o brilhantismo dele e disse: "Ele vai ser presidente e eu estarei casada com ele". E teve um papel muito, muito grande na jornada para ele ser presidente. Ela o ensinou, o trouxe para um mundo do qual ele nunca havia feito parte. 

Ela era muito malfalada ou simplesmente considerada louca...

Sally Field - 

Muito malfalada! Mary não seria capaz de fazer acordos como Lincoln porque era muito emotiva, raivosa, vingativa. Conversei com alguns estudiosos e ainda hoje há quem fale dela de maneira depreciativa. Pelo que estudei, notei que às vezes Mary era odiosa. Mas foi incrivelmente valiosa e importante para a herança deste país, para as mulheres. Se não fosse por nenhuma outra razão, por ter ajudado Lincoln a tornar-se quem ele foi. Se não houvesse Mary Todd, não haveria Abraham Lincoln.

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