Toda ironia e subversão em Lewis Carroll

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Por Agencia Estado
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Depois da degustação de um chá, os espectadores são convidados a atravessar o espelho, sofrendo uma vertiginosa queda até outro palco, que se divide em mais um e mais outro, até que todos tenham perdido completamente a noção de tempo e espaço. "A intenção é justamente essa: provocar sensações perdidas no público", comenta Paulo de Moraes, diretor da Armazém Companhia de Teatro que encena Alice Através do Espelho, espetáculo que estréia amanhã no Teatro da USP, o Tusp. "Espero que todos tenham as mesmas sensações que Alice." Moraes dirige a trupe da Armazém há mais de dez anos e, nesse período, privilegiou a investigação da estrutura narrativa. Não prefere histórias cujo desenvolvimento seja previsível - até Shakespeare foi encenado de uma forma que explora mais as motivações ocultas do texto. A indefinição do tempo e do espaço, além da relativa importância dedicada aos fatos na construção dos personagens, permitem ao grupo modificar a estrutura da narrativa e acentuar seu caráter simbólico, evitando a tradicional seqüência de começo, meio e fim. Em Alice Através do Espelho é contada a história da menina criada por Lewis Carroll que, transportada para um mundo imaginário, encontra o Chapeleiro Maluco, a Rainha, o Gato Que Ri, a Lagarta Que Fuma Narguilé. "Mais que o contato com esses personagens, a história conta um rito de passagem, de uma menina se transformando em mulher", comenta Moraes. "Essa mudança era uma obsessão de Carroll." A peça utiliza elementos de duas obras-primas, Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho - E o Que Alice Encontrou Lá. Apoia-se também nas cartas que Carroll escreveu às suas amiguinhas - Carroll, cujo verdadeiro nome era Charles Lutwidge Dodgson, tinha uma personalidade complexa: professor de matemática em Oxford, gago, com um ombro mais alto que o outro e um olhar assimétrico, sentia-se bem apenas na companhia de meninas de 10 a 12 anos, para quem contava inúmeras histórias infantis e que foram imortalizadas em fotografias tiradas por ele mesmo. "O que ele contava e escrevia, porém, era genial e até hoje dá um nó no pensamento", comenta o diretor. Onírico - Inicialmente, o espetáculo pretendia mostrar a personalidade controversa do escritor. Moraes e o poeta Maurício Arruda Mendonça, autor dos textos do grupo, decidiram depois misturar o enredo dos dois livros com fatos de sua vida. "Optamos por uma estrutura onírica, que tivesse a duração de um sonho", explica Moraes. "Como a aventura de Alice é muito sensorial, decidimos que o público também deveria ter uma participação corporal." É o início do mágico e misterioso tour oferecido ao público. A ação começa no quarto de Alice, quando ela é tragada pelo espelho levado com ela os espectadores, que chegam a um outro nível por meio de um escorregador. A aventura continua com subidas em mezaninos por escadas, sensações de aumento de tamanho graças à movimentação do teto, em um total de seis ambientes cenográficos, que contam ainda com seis camas hospitalares e um jogo de xadrez gigante. Uma caixa mágica, como define o grupo, de 308 metros quadrados de área. A viagem termina em um manicômio, metáfora da escrita nonsense de Carroll, onde os loucos se transformam nos personagens da trama, como o Chapeleiro Maluco, a Lebre no Cio e o próprio Carroll, que é julgado pelo crime de pedofilia. "A peça fala de uma menina que sonha com um mundo fantástico, talvez insano, cheio de doentes imaginários, situações absurdas e paradoxais", afirma Mendonça, um dos mais destacados poetas da nova geração. Uma dezena de atores vive todos os papéis. A bela Liliana Castro faz Alice, enquanto a ótima Patrícia Selonk é o Chapeleiro Maluco. Moraes assina ainda a concepção do espaço cênico e os figurinos foram criados por João Marcelino. Como a montagem exige uma movimentação do público, o espetáculo terá um limite de apenas 50 pessoas por sessão. A montagem estreou em Curitiba em 1999 e permaneceu 18 meses em cartaz no Rio, na Fundição Progresso, onde o grupo está radicado, e passou ainda pelo Festival de Porto Alegre. Em março a Armazém estréia seu novo espetáculo, Por cima dos Quintais. Alice através do Espelho - Teatro físico. De Maurício Arruda Mendonça. Direção Paulo de Moraes. Recomenda-se o uso de roupas confortáveis. Duração: 1h20. Quinta, às 21 horas; sexta, sábado e domingo, às 19 horas e 21 horas. R$ 20,00. Tusp - Centro Universitário Maria Antônia. Rua Maria Antônia, 294, tel. (11) 255-5538.Até 18/2.

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