Tio Joe e o gosto de ousar

O tailandês Apichatpong Weerasethakul fala de Hotel Mekong, uma das atrações do Indie 2012, que começa hoje

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Apichatpong Weerasethakul - a última década foi prodigiosa para 'tio Joe', como é chamado. Vencedor do prêmio da Mostra Un Certain Regard de 2002 por Blissfully Yours, o dublê de cineasta e artista plástico rapidamente se impôs como um autor de ponta. Cannes tem sido a vitrine do seu trabalho e ele ganhou o prêmio do júri por Mal dos Trópicos, em 2004. Seis anos depois veio a Palma de Ouro, por Tio Boonmee Que Lembra Suas Vidas Passadas. Este ano Apichatpong voltou à Croisette, mas apresentou Hotel Mekong fora de concurso. O filme integra a programação do Indie 2012.Tio Joe foi ficando cada vez mais 'chic'. Em Cannes, o repórter encontrou-o pela primeira vez na praia do Hotel Martinez, sob um sol de rachar. A entrevista de Tio Boonmee foi feita numa suíte com ar condicionado e vista para o mar, no Hotel Carlton. A de Hotel Mekong foi feita num iate ancorado na baía de Cannes, com direito a coup de champanhe. O status do autor pode ter subido, mas ele permanece afável, contido. Fala baixo, quase sussurrando. Foi assim que contou como surgiu o novo filme.Cinema e instalação, tudo se mistura para Apichatpong. Lembre-se de que o artista participou da Bienal de São Paulo, em 2010, com aquela instalação sobre fogo. Foi sinuoso o percurso até Hotel Mekong. O filme se baseia numa história que o diretor desenvolveu para outro projeto não filmado - Ecstasy Garden, Jardim do Êxtase. O cinéfilo sabe como Api é fascinado pelo fantástico. Jardim do Êstase deveria contar a história do fantasma de uma vampira que também é mãe de uma mulher que não sabe de sua condição. Na história original, a mãe não consegue conter seus impulsos e tenta devorar o garoto com quem a filha inicia um romance.Abandonado o projeto, Tio Joe resolveu se utilizar de cenas encenadas e filmadas, como parte da pesquisa, no terraço e nos balcões do Hotel Mekong, que fica na embocadura do rio de mesmo nome, na fronteira da Tailândia. Você deve se lembrar do estranhamento das cenas no tanque em Tio Boonmee, quando a princesa é possuída pelo peixe. Hotel Mekong busca um pouco aquele clima, misturando material escrito com cenas improvisadas. "É meu filme mais experimental. Pensei muito, elaborei bastante, mas depois me deixei levar pela emoção. Tinha uma amiga que estava doente, e a possibilidade de sua morte me perturbou. Desde criança sou obcecado pela história de um vampiro carnívoro. Misturei tudo isso com a mãe que contempla a filha adormecida e o monólogo de um homem que tem de aceitar sua futura reencarnação como cavalo." Esse clima de mistério seria excessivo, não fosse a poesia visual do diretor. "É só se deixar levar pela correnteza", diz ele. O rio vira protagonista. E o hotel, evoca o de Marienbad, de Alain Resnais? "Se você quiser, mas não pensei nisso."O Indie 2012, que começa hoje para convidados e amanhã para o público segue até o dia 4 (de outubro) com os novos filmes de Naomi Kawase (Vestígio) e Brillante Mendoza (Em Nome de Deus), além de retrospectivas do russo Alexey Balabanov e do japonês Kazuyoshi Kumakiri. A Mostra Mundial vai exibir 28 filmes de 19 países, oferecendo ao cinéfilo a chance de se atualizar com as novas tendências do cinema mundial. Indie, de independente. O cinema de indagação, de experimentação, de autor, à margem dos estúdios e do grande capital. Não perca Apenas o Vento, do húngaro Bence Fliegauf, sobre a violência contra ciganos, que venceu o Urso de Prata em Berlim. E atenção para a terceira retrospectiva - do americano Charles Burnett, que chega amanhã. Nos EUA de Barack Obama, ele mostra que o racismo continua sendo uma praga inominável.

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