Tensões entre o centro e a periferia

'A Cidade É Uma Só?' questiona a formação urbana de Brasília, dividida entre o Plano Piloto e as satélites

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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É importante o espectador ficar atento à interrogação presente no título: A Cidade É Uma Só? Não fosse o sinal, o nome do filme poderia soar como evidente sarcasmo. Pois, como sabe muito bem seu diretor, Adirley Queirós, a cidade em pauta, Brasília, pode ser tudo no mundo, menos "uma só". Nascida de um projeto igualitário na prancheta de Lúcio Costa, Brasília logo criou as cidades-satélites para abrigar os que a haviam construído, mas não tinham condições de morar no Plano Piloto. O Plano, como se diz familiarmente, o famoso projeto urbanístico em forma de avião, que abriga o poder, a burocracia e parte da população. A outra foi morar longe, nas satélites. O próprio Adirley vive na Ceilândia, que tira seu nome de uma sigla, CEI - Campanha de Erradicação das Invasões. "Invasão" é como chamam as favelas, termo igualmente pejorativo. Através do documentário, nada convencional, diga-se, narra-se a história de uma desocupação de terreno que começa em 1969, e culmina com a mudança, forçada, em 1971. A história é mais ou menos a mesma de tantas outras desocupações em metrópoles brasileiras. Com a especulação imobiliária, os terrenos rareiam, se tornam caros e cobiçados. Logo os habitantes são obrigados a deixá-los, sob promessa de que serão transferidos para lugar melhor. Essa narrativa é invariável. Esse processo é abordado de forma pouco didática pelo diretor, morador na Ceilândia há 30 anos. O título ironiza o jingle que, na época, tentava vender a ideia de unidade social quando o que havia era exclusão. Entram, também, personagens ficcionais, ligando o passado e o presente. Um deles se diz candidato a uma vaga de deputado distrital, sob uma sigla fictícia, e faz campanha num automóvel caindo aos pedaços pelas ruas de terra. Nesse ponto, o filme adota uma pegada à cinema marginal, com proposta paródica e agressivamente retórica. Exasperante e repetitivo às vezes, passa o recado. Através de uma estética da exclusão, seu diretor parece se perguntar afinal onde mora, se na Brasília oficial ou fora dela. Se esta é uma situação bem especifica do Distrito Federal, poderia ser aplicada a boa parte da população pobre brasileira e a equívoca posição que ocupa nas cidades onde vive e trabalha.

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