Tendo o sertão como antagonista e, às vezes, como parceiro

Em 'Na Quadrada das Águas Perdidas', Matheus Nachtergaele é o sertanejo que sobrevive com sabedoria na caatinga

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e NA QUADRADA DAS ÁGUAS PERDIDAS
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, de Wagner Miranda e Marcos Carvalho, poderia ser chamado de puro documentário etnográfico, não tivesse como único ator o formidável Matheus Nachtergaele. É ele quem carrega o filme nas costas - e não se veja aqui um comentário pejorativo. Tanto os diretores como o próprio ator tiveram a coragem de assumir a opção desse papel solo, como uma espécie de possibilidade de estudo do ser humano em contato com um ambiente tido como hostil. Nachtergaele interpreta Olegário, o sertanejo que se situa, de modo exemplar, na chamada economia de subsistência. Vive do que produz. Mas num dado momento precisa ingressar na microeconomia da sua região. Ou seja, precisa comercializar algum bem para trocá-lo por dinheiro e, com este, comprar alguma coisa que ele mesmo não pode produzir e da qual tem necessidade. Assim, ele deixa sua casinha para vender um animal e, com o dinheiro que receber, comprar fumo de corda, feijão, pregos, essas coisas. A viagem é longa e revela-se (para o espectador) uma verdadeira iniciação na natureza da caatinga, da qual o sertanejo tira o essencial para sobreviver, nas mais áridas condições. Olegário ora entra em harmonia com a natureza, ora a contraria para tirar o seu precário sustento. É uma história feita de malícia, sabedoria, silêncio e ações. O filme passou por alguns festivais, como os do Ceará e Recife, sem grande alarde, apesar da fama do seu protagonista. Esse tipo de projeto tem algo contra si o hábito do espectador por um cinema já formatado para o diálogo. Olegário está só, diante de um meio ambiente que parece caprichoso o suficiente para lhe merecer todas as atenções e cuidados. Não existe um antagonista, pelo menos não no sentido clássico do termo. O antagonista seria o sertão. Mas, para quem o conhece, ele pode ser um aliado. É um documentário sobre a caatinga, que veste a roupa da ficção e conta com um ator que tudo diz sem pronunciar uma única palavra. Digamos que é um documentário ficcional de viés etnográfico. O título é homônimo da música de Elomar Figueira Mello. A trilha é assinada por Elomar, Geraldo Azevedo e grupo Matingueiros. Em sua aparente modéstia, O Quadrado das Águas Perdidas não é pouca coisa, não.

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