Tempos generosos na indústria editorial

Produção cultural brasileira agora é ampliada e pode ser alcançada pelas classes B e C

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Por Luciana Villas-Boas
Atualização:

Um espectro assombra a criação e o consumo literários ao final da primeira década do século 21. As inovações tecnológicas que permitem a difusão eletrônica da palavra escrita com uma amplitude e rapidez jamais imaginadas marcaram mais do que qualquer outra tendência cultural, fato político, ou movimento social, os debates entre criadores e consumidores de literatura, ou de qualquer texto longo, que tome o formato de livro. Com todas as promessas e ameaças inerentes ao livro eletrônico, entramos na segunda década do século sem saber se o sistema literário existente conseguirá conviver com a novidade e sobreviver como relação social e como negócio; e, em caso negativo, qual será o impacto sobre a criação ficcional. Será o fim do romance como o entendemos hoje? Espero e creio que não, mas é essa a pergunta que caberá ao meio literário e editorial responder nos próximos anos.Como, apesar da globalização, a história das regiões caminha em ritmo desigual, o debate pegou firme também no Brasil, um país ainda de poucos leitores relativamente à população, quase desprovido de bibliotecas e livrarias. Mas aqui a década foi mais generosa com a indústria editorial do que nos países centrais. Se o público leitor ainda está longe de cumprir seu potencial, a distribuição da renda ampliou significativamente o mercado do livro. Por continuarem sem acesso a uma boa educação formal, as classes B e C mudaram o perfil da indústria brasileira. A indústria editorial, que no século 20 se caracterizava por abastecer a elite, agora é evidentemente mais popular: as livrarias foram inundadas por romances de consumo fácil, livros de autoajuda e todo tipo de texto que reflita acriticamente os modismos da produção cultural de massa.Quanto à grande literatura, houve, nos países centrais, um retorno espetacular da narrativa, a valorização, evidente nas premiações e na recepção crítica, para não falar de vendas, do enredo inteligente e bem armado para dizer algo relevante sobre a condição humana ou a História, por meio de personagens densos e multifacetados e um trabalho de linguagem de quem domina seu idioma e consegue construir uma voz autoral original e inconfundível. No Brasil, engatinhamos, ainda esmagados pelas desconstruções joycianas do século passado, na maioria das vezes sem a devida bagagem literária e controle do idioma. Mas surgiram prêmios literários de repercussão e a condição de escritor é hoje muito mais apreciada do que no século passado. Não é fácil, mas é possível ser otimista e acreditar que nos próximos 10 ou 15 anos começaremos a construir uma grande literatura nacional, com presença e visibilidade até mesmo na Europa e nos Estados Unidos.LUCIANA VILLAS-BOAS É DIRETORA DO GRUPO EDITORIAL RECORD

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