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Temporada da inclusão da SPFW faz o elogio da diferença

Semana de Moda celebra a diversidade com cultura afro, causa trans e moda ageless

Por Maria Rita Alonso
Atualização:
Modelos apresentam a criação de Isaac Silva durante o São Paulo Fashion Week. Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

Plural, diversa, responsável e inclusiva. A moda da próxima década está pautada em movimentos de expressão — e não de exclusão. Prova disso foram os desfiles do São Paulo Fashion Week, que terminaram sexta, 18, no Pavilhão das Culturas, no Parque do Ibirapuera. Nas passarelas, a diversidade de etnias e tipos físicos deixou claro que a era das modelos muito brancas e muito magras acabou. Imagens altamente glamourosas, assim como as belezas inatingíveis não criam identificação e não ecoam nas redes sociais no Brasil. Por isso, perderam o encanto. “A moda desceu do salto e isso é um sinal dos tempos. O próprio SPFW está menor, mais despretensioso, mais pé no chão. Não cabem mais editoras de moda esnobes, não cabe mais carão”, diz Daniela Falcão CEO da Globo Conde Nast, que publica a revista Vogue. "Com a fragmentação da comunicação, a moda se democratizou”.

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Nesta edição, o brasiliense Sam Porto assumiu o posto de primeiro homem transgênero a desfilar no evento e já estreou como um dos recordistas de desfiles sendo destaque em nove das 26 apresentações da temporada.  “Não imaginava que as coisas poderiam dar tão certo”, disse ele, em entrevista ao FFW. “Mas percebi que aqui tenho um espaço e eu posso ser eu!”

Aos 25 anos, Sam que é tatuador em Brasília, e foi escalado tanto para desfiles de marcas menores e mais alternativas, quanto para marcas consagradas. Para a Korshi, marca jovem participante do Projeto Estufa, chegou a desfilar de peito aberto na passarela, com as cicatrizes da cirurgia de remoção à mostra. 

 

 

Entre os desfiles mais disputados, estavam os de dois estilistas negros estreantes no evento, Isaac Silva e Ângela Brito, ambos interpretando com muita empatia suas ancestralidades africanas, questionando o status quo e transformando a passarela em uma espécie de lugar de fala. A coleção de Isaac, Acredite no seu Axé, composta inteira de looks brancos, todos exibidos por modelos pretos, foi ovacionada efusivamente do início ao fim. 

Formada em maior parte por amigos do estilista, clientes da marca, além de artistas e ativistas negros, a plateia deu de ombros para a etiqueta dos desfiles que normalmente prega silêncio, gestos contidos e ares blasés. Pelo contrário, reagiu a tudo com vibração, alegria e energia. “A moda é cultura , é uma forma de expressão maravilhosa e potente”, diz Isaac Silva.

Já Ângela Brito brilhou com uma coleção inspirada no blues nas décadas de 30, 40 e 50, especialmente pelo ponto de vista do documentarista americano Les Blank. Ela que sempre teve os neutros como os tons principais de sua cartela, dessa vez brincou com nuances de amarelo, azul e verde, em looks desfilado só por negras. “A questão racial é algo que perpassa a trajetória de todas as pessoas negras, mas é importante que comecem a nos enxergar como indivíduos!” 

Há uma expectativa para que eu me expresse de determinada forma por ser mulher, negra e africana esquecendo que sou uma pessoa que tem uma história própria e repleta de especificidades, como por exemplo minha transitoriedade por diversos lugares", diz Angela, que nasceu em Cabo Verde e está radicada no Rio. "Portanto, sou um somatório de todas as minhas vivências, o que me faz ser única”.

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Segundo números informados pela organização do evento, dos 834 modelos cadastrados para participar da semana de moda, 204 são de origem afro e apenas 10 de origem indígena. Lembrado que há menos de dez anos se discutia sobre a ação do Ministério Público Estadual que previa cota de 10% de modelos negros, afrodescendentes ou indígenas na SPFW – e, naquela época, muitos estilistas não chegavam a bater a cota.

É claro que tendo a moda um viés comercial intrínseco, fica a dúvida sobre a real intenção de ações ligadas a movimentos sociais. A moda pode ser inclusiva? “Nem sempre”, diz Luanda Vieira editora de moda da revista Glamour. “Depende muito da verdade de cada criador e do histórico de ações da marca. Em alguns casos, você percebe que se trata apenas de um discurso forçado de marketing. Outras vezes, as intenções são realmente genuínas”.

Festejando a força feminina, a plataforma Free Free, comandada pela diretora criativa Yasmine Sterea, fez uma ode à pluralidade na moda convocando mulheres de idades variadas e diversos tipos físicos em seu desfile-manifesto. Os looks, doados por acervos de marcas como Paula Raia, Reinaldo Lourenço, Osklen, Cris Barros, foram adaptados e renovados por artesãs de 10 comunidades. Também foi bonito de ver a passarela da estilista Fernanda Yamamoto, com mulheres de todas as idades desfilando roupas de upcycling, recriadas com um minucioso trabalho artesanal sobre peças do próprio acervo da marca.

Em uma outra iniciativa inédita, como parte de um projeto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED), os desfiles do Projeto Estufa ganharam narração descritiva para deficientes visuais feitas por jornalistas convidados.  “Foi emocionante, me senti honrada”, disse a jornalista Lilian Pacce.

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