10 de abril de 2010 | 00h00
A reconstrução de Mendoza é minuciosa, a começar pela linguagem. Ele lança mão de um castelhano que lembra a picaresca espanhola, com inserções de termos e expressões latinos e gregos, resultando numa prosa arcaizante e bem-humorada.
Seu maior êxito consiste em narrar a adolescência de Jesus pela perspectiva de um não-judeu. É o filósofo-detetive Pompônio quem destitui Jesus e seu deus de qualquer condição sagrada: "Javé não sabe de nada, e você é um maldito sofista!"
A torção no gênero policial se dá quando, solucionado o assassinato, a astúcia de Pompônio não produz o efeito esperado: o tribuno romano se recusa a revogar a sentença, já que o intuito primeiro era impedir qualquer levante na Galileia: "O direito romano é um instrumento a serviço do Império, não o contrário."
A fala do tribuno termina por submeter o trabalho detetivesco do filósofo ao trabalho advocatício do Império, e levar às últimas consequências o questionamento quanto à existência de uma "justiça justa". É em tal contexto que se criam as condições para o advento de um messias judeu e de um deus de justiça e bondade, que salvará os injustiçados. Eis a apoteose do messias acidental.
A versão de Mendoza do mito cristão nos mostra o quão vigente ainda é a tradição católica na Espanha, na literatura e fora dela, e como seu livro, no fim das contas, não se insurge contra ela; parece querer desconstruir o mito, mas termina por se conformar em confirmá-lo: tinha que acontecer assim.
Wilson Alves-Bezerra É Professor de Letras da Ufscar, Tradutor e Autor de Reverberações da Fronteira em Horacio Quiroga (HUMANITAS/FAPESP)
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