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Telas de Albert Eckhout mostram o Brasil entre 1637 e 1644

Depois do Recife e de Brasília, agora chegou a vez de São Paulo receber a coleção de todas as 24 telas com que o artista Albert Eckhout registrou o Brasil entre 1637 e 1644

Por Agencia Estado
Atualização:

Depois do Recife e de Brasília, agora chegou a vez de São Paulo receber a coleção de todas as 24 telas que o artista Albert Eckhout pintou para registrar o Brasil entre 1637 e 1644. Esse foi o período em que Eckhout permaneceu no País contratado pelo Conde Maurício de Nassau, na época, governador-geral do Brasil holandês. É a primeira vez que a coleção de obras brasileiras formada por 12 naturezas-mortas, oito retratos etnográficos, três retratos dos emissários do Congo e a tela Dança dos Tapuias sai do Museu Nacional da Dinamarca e é mostrada de forma completa no Brasil. Entre setembro e novembro do ano passado, as obras estiveram no Instituto Ricardo Brennand, no Recife, o lugar onde foram pintadas. Em dezembro, foram apresentadas no Conjunto Cultural da Caixa, em Brasília. Amanhã, a exposição Albert Eckhout ?Volta ao Brasil - 1644-2003? será inaugurada na Pinacoteca do Estado, em evento para convidados. A partir de terça-feira, a mostra estará aberta para o público, ficando em cartaz até 30 de março, com entrada gratuita. Foram oito anos de negociações, entre "30 a 40 viagens à Dinamarca", como conta o presidente da McCann-Erickson no Brasil, Jens Olesen, coordenador-geral do projeto de apresentar a coleção completa no Brasil. "D. Pedro II tentou por duas vezes trazer as obras e não conseguiu. Foi um sonho quase impossível", diz Olesen. Mesmo fascinado pela obra de Eckhout, o último imperador do Brasil teve de se contentar com seis cópias reduzidas realizadas pelo pintor dinamarquês Lützen, que hoje permanecem no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio. A vontade de realizar o grandioso projeto era antiga e as negociações de Olesen, aliadas ao patrocínio do Banco Real - de aproximadamente US$ 2 milhões - o tornaram possível. A coleção nem mesmo havia sido apresentada inteiramente na própria Dinamarca, onde está abrigada desde 1654, quando Maurício de Nassau presenteou 26 telas pintadas por Eckhout a seu primo, o Rei Frederik III da Dinamarca. Infelizmente, duas das obras da coleção se perderam durante um incêndio - um retrato de Maurício de Nassau com índios e um auto-retrato de Eckhout. E desde então, os 24 quadros sempre estiveram na Dinamarca. Iniciativa inédita Possivelmente por causa das grandes dimensões das obras - por exemplo, os retratos étnicos são em tamanho natural - a coleção nunca havia sido mostrada integralmente. A partir desse projeto é que aconteceu esse feito inédito por mais de 350 anos. E antes de chegar ao Recife, enfim, ao Brasil, a Dinamarca apresentou as obras em seu museu. Também é interessante lembrar que o público brasileiro já teve a oportunidade de ver algumas das obras de Eckhout. A primeira vez foi em 1968, no Rio. Depois, em 1991, no Museu de Arte de São Paulo (Masp); em 1998, a 24.ª Bienal mostrou o quadro Dança dos Tapuias e mais quatro retratos femininos; e, em 2000, na Mostra do Redescobrimento. Mas deixando à parte o percurso da coleção, é importante se voltar às ricas pinturas do artista, que servem até hoje como base para se discutir como os "europeus mostraram e interpretaram as representações visuais do Novo Mundo", como escreveu Barbara Berlowicz, do Museu Nacional da Dinamarca para o texto de introdução do catálogo da exposição. Ou inaugurar um novo imaginário sobre o Novo Mundo. Telas foram pintadas a pedido de Maurício de Nassau Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Albert Eckhout (1610-1665), mas com certeza sua passagem pelo Brasil e suas as obras são objetos de estudo, debates e controvérsias entre experts de todas as partes do mundo. Eckhout tinha 26 anos quando veio em missão científica contratada por Maurício de Nassau juntamente com médicos, um astrônomo, um poeta e outro artista, Frans Post (1612-1680). "Para registrar as realizações de seu governo, preservar em tela a paisagem e a topografia da conquista, bem como os feitos militares e a arquitetura militar e civil do Brasil holandês, o Conde de Nassau contou com os serviços do pintor Frans Post. Para documentar a natureza, contou com o traço seguro de Albert Eckhout, encarregado de retratar figuras de nativos, habitantes do Brasil e originários da África, vegetais, animais, naturezas-mortas e outros trabalhos destinados mais à divulgação científica do que à decoração de ambientes", escreveu Leonardo Dantas Silva no catálogo que demorou dois anos para ser estruturado. Até a década de 70, a obra de Eckhout foi mesma vista como somente documento histórico. Hoje sua obra está inserida no contexto da história da arte. Eckhout não deu título para as telas brasileiras e apenas assinou sete delas. Já se levantou a questão de ele não ter pintado os quadros no Brasil, de tê-las assinado somente quando foram doadas à Dinamarca. Mas, como diz Barbara Berlowicz, não há uma resposta final acerca das obras. Ela até mesmo diz que o importante é apenas observá-las. Por causa dos grandes formatos, as telas foram pintadas para serem abrigadas no Palácio de Friburgo, a residência de Nassau no Brasil. Mas os holandeses foram expulsos do Brasil pela coroa portuguesa e, assim, o conde as levou para a Europa. Retratos e naturezas-mortas Como ressalta a pesquisadora americana Rebecca Parker, há muita coerência em cada segmento da coleção. Os oito retratos etnográficos foram feitos em pares. Um homem negro, uma mulher negra, um homem tapuia, uma mulher tapuia, homem tupi, mulher tupi, homem mulato, mulher mameluca. As mulheres carregam cestas, os homens, armas. As naturezas-mortas, nunca mostradas no Brasil, também seguem uma mesma linha. Caju, mandioca, cocos, cabaças, pimentas, e laranjas, entre outros, estão arrumados "num peitoril de janela cinza, tendo como fundo um céu tropical nublado". Na arte européia, as naturezas-mortas eram geralmente pintadas sobre fundo neutro, com frutas sobre a mesa, e Eckhout colocou sua singularidade ao representá-las ao ar livre. O diretor da Pinacoteca, Marcelo Araújo, ressalta que essas obras devem ser vista com um enfoque menos ufanista. Não são todas as espécies de plantas colocadas nas naturezas-mortas originárias da América. Araújo analisa que o quê fascinou Eckhout foi ver o Brasil e revelá-lo como o país que recebia produtos, que hospedava as diferentes espécies. E, por fim, os retratos de Dom Miguel de Castro, enviado do Congo, e de dois de seus servos, é uma maneira de representar o intercâmbio político e econômico entre o Brasil e a África uma vez que o tráfico de negros era a base da produção de açúcar no nordeste brasileiro. A exposição da Pinacoteca se inicia contextualizando o período de Eckhout no Brasil. E ainda para reforçar a obra do artista do século 17, será realizado um ciclo de palestras gratuito sempre às quintas-feiras, às 19 horas. Serviço: Albert Eckhout Volta ao Brasil 1644 - 2003. De terça a domingo, das 10 às 18 horas. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, n.º 2, tel. 229-9844. Até 30/3. Abertura às 19h30. Patrocínio: Banco Real

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