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Teatro sediou espetáculos pouco convencionais

Por Agencia Estado
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A construção do Teatro Municipal de São Paulo foi iniciada em 1903, a cargo do Escritório Ramos de Azevedo, com um projeto assinado por Domiziano e Cláudio Rossi. É praticamente uma cópia reduzida da Ópera de Paris, projetada por Charles Garnier 50 anos antes. Demorou oito anos para ser construído. Quase todo o material era importado: pedras de mármore, vitrais, mosaicos, tapeçarias, madeirames, estruturas metálicas, instalações elétricas, maquinário de cena, etc. A procedência dos técnicos, artesãos e materiais era diversificada: Paris, Milão, Veneza, Florença, Pistóia, Berlim, Frankfurt, Colônia, Dusseldorf e Nova York. Foram utilizados nada menos do que 4,5 milhões de tijolos, 700 toneladas de estruturas de ferro laminado e perfilado e 50 toneladas de ferro fundido. O resultado final foi de uma construção total de 3.609 metros quadrados, com sete pavimentos, incluindo-se um subterrâneo, para uma lotação normal de 1.816 espectadores. Além da ópera, o novo teatro foi também o palco para uma disputa comercial e tecnológica. Até então, a iluminação pública em São Paulo era feita exclusivamente com lampiões de gás. A Companhia de Gás era uma empresa inglesa que detinha o monopólio da iluminação pública na cidade. Como até então a eficiência da iluminação a gás fosse melhor que das lâmpadas elétricas - ainda primitivas e com uma trêmula luz violácea -, esse monopólio não tinha sido ameaçado. Entretanto, já estavam sendo usadas nos Estados Unidos as novas lâmpadas Adams-Bagnall que superavam a luminosidade dos lampiões de gás. Assim, a Light & Power, que havia sido contratada para fazer a instalação elétrica do teatro, instalou 42 destas lâmpadas nos candelabros da escadaria e na recém-urbanizada esplanada, onde hoje se encontra a praça Ramos de Azevedo. A luminosidade maior das lâmpadas elétricas passou a contrastar com as lâmpadas a gás instaladas pela Companhia de Gás nas proximidades do teatro. Diante de tal evidência, a Light foi conseguindo a concessão de iluminação pública nas novas áreas urbanizadas. Porém, nas ruas centrais, onde a concessão era antiga, permaneceu esse tipo de iluminação até os anos 30. Anos de glórias - A companhia do cantor Tita Ruffo apresentou-se até o dia 1.º de outubro, tendo o público e a crítica eleito O Barbeiro de Sevilha como o clímax da temporada. Nas décadas seguintes, o teatro seria palco de espetáculos inesquecíveis e eventos variados, repletos de glamour, beleza, emoção e polêmica. Muita polêmica. O que dizer da Semana de Arte Moderna? Aquela série de eventos, que ocupou o teatro em fevereiro de 1922 e que influenciaria os rumos da cultura brasileira. O ano de 1922 já começou fadado a balançar as estruturas literalmente: na madrugada do dia 28 de janeiro, um tremor de terra assustou os paulistanos, deixando um saldo trágico de uma vítima fatal. Duas semanas depois, no dia 13 de fevereiro, viria o abalo cultural: uma palestra de Graça Aranha, A emoção estética na arte moderna, abria oficialmente a Semana de Arte Moderna. No Rio, ocorreria no mesmo ano a Revolta do Forte de Copacabana. A Semana, na verdade, constou de três dias alternados em que diversas tendências foram mostradas a um público irrequieto e barulhento que não chegou a lotar o Municipal. A vanguarda da música, poesia, pintura e escultura era apresentada por meio de conferências, declamações e recitais que contavam com a participação, dentre muitos outros, de Villa-Lobos, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Menotti del Pichia e Guilherme de Almeida. Segundo o comentário de O Estado de S. Paulo, "só a senhorita Guiomar Novaes conseguiu ser ouvida em silêncio profundo..." Muitas outras foram as celebridades que pisaram na ribalta do Municipal. Foi nela que a grande soprano brasileira Bidu Sayão estreou para um grande público. No dia 2 de dezembro de 1916, uma bailarina de gestos inusitados causava estranheza a um público acostumado às interpretações clássicas. Era a genial Isadora Duncan, que, após alguns dias, passada a frieza inicial, maravilhava e conquistava a todos com uma interpretação delirante da Sonata ao Luar, de Beethoven. Alguns dos maiores nomes do mundo da ópera passaram pelo Municipal de São Paulo: Pietro Mascagni, o autor da célebre Cavalleria Rusticana, Tito Schipa, o grande Enrico Caruso, Beniamino Gigli, Mario Del Monaco, Giusepe Di Stefano, Renata Tebaldi e Maria Callas. La Callas deveria cantar Aida, mas como estava rouca cantou La Traviata duas vezes no mesmo dia. A dança também se fez representar dignamente nestes 90 anos. Além da já citada Isadora Duncan, tivemos Anna Pavlova, Nijinsky, Margot Fonteyn, o Balé Bolshoi, o Ballet da Ópera de Paris e Pina Bausch. No âmbito da música, apresentaram-se Arthur Rubinstein, Arturo Toscanini, Brailowsky, Pederewsky, Villa-Lobos, Magdalena Tagliaferro, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald. E dezenas de outros grandes nomes do mundo artístico podem ser lembrados, assim como Vivien Leigh interpretando a Dama das Camélias. Fantasmas - Como toda boa casa de ópera que se preze, o Municipal de São Paulo também tem seus fantasmas. Um assunto sempre presente entre os funcionários do Municipal é a aparição de uma soprano durante a madrugada, assim descrita em 1981 por Arlindo de Souza, homem que foi zelador do municipal por mais de 40 anos: "As mãos postas defronte ao peito seguram um pequeno ramo de flores. Com um longo vestido branco e um chapéu de abas largas, que tenta em vão esconder os cabelos longos e loiros, ela canta trechos de ópera e , como por encanto, assim como apareceu, desaparece acompanhada por uma tênue luz azul." Não foi só durante a Semana de Arte Moderna que o teatro foi usado para apresentações não convencionais. O Municipal já teve usos muito diferenciados, seja para peças de teatro, musicais, bailes de carnaval, happenings, aniversário do programa de Hebe Camargo na antiga TV Record, etc. Os bailes de carnaval dos anos 40 eram glamourosos e concorridos. Décadas depois, durante um happening nos anos 70, em plena exaltação da contracultura, um performer chegou a urinar no palco, extravasando seus recalques escatológicos. Em outra ocasião, Jô Soares dançou em um concerto executado por máquinas de escrever. Nestes 90 anos, o Municipal já passou por inúmeras reformas. A primeira grande recuperação foi no início dos anos 50 para as comemorações do 4.º Centenário da cidade. Mais recentemente, durante as administrações de Jânio Quadros e Luisa Erundina, passou por uma restauração completa. Hoje, o teatro ainda espera por uma estrutura administrativa própria que lhe dê maior agilidade e eficiência para manter os chamados corpos estáveis (músicos e bailarinos) e uma programação regular. Na administração de Celso Pitta, chegou-se a cogitar da transformação do teatro em uma fundação, idéia totalmente repudiada pela opinião pública e pela atual gestão.

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