PUBLICIDADE

Teatro para crianças carece de textos

Autores, diretoras e ator especialistas em teatro infantil discutem as deficiências que o gênero enfrenta

Por Agencia Estado
Atualização:

Os autores Aimar Labaki, Vladimir Capella e Isser Korik, as diretoras Pamela Duncan e Débora Dubois e o ator Ewerton de Castro refletem sobre o teatro infantil, um gênero teatral sofrido e vítima de preconceitos, que enfrenta a crise da falta de novos autores e do baixo nível das produções. Agência Estado - A dramaturgia voltada para crianças e adolescentes tem cada vez menos autores novos. Na sua opinião, o que está levando a esse quadro? Aimar Labaki - Não sei se há menos autores ou se há menos possibilidade de se produzir. Autores não se formam por geração espontânea. É preciso que sejam montados para que possam amadurecer. E até para que se saiba que eles existem. O mercado teatral está inchado e desarticulado. Nesse contexto é muito difícil abrir nichos novos. E o trabalho para adolescentes e jovens exige um grau de precisão e qualidade talvez até maior que o requerido no trabalho pra adultos. Vladimir Capella - Esse assunto é extenso, digno de uma tese. Mas, para resumi-lo num pensamento curto-e-grosso, eu diria que esse quadro só se reverterá quando a sociedade como um todo puder ver a criança com outro olhar. Enquanto a criança for vista como um apêndice do mundo adulto essa situação tenderá a se eternizar. Pamela Duncan - Há uma tremenda desmotivação cultural e falta de políticas culturais em relação à dramaturgia infantil. E os produtores não apostam em nomes desconhecidos. Para os autores, falta tempo livre. A sobrevivência nos mata. O "ócio" aristotélico, no qual o artista pensa, reflete, observa, apreende e sonha, não é permitido nas grandes cidades. Isser Korik - Produzir um espetáculo para crianças se torna tarefa arriscada, de retorno duvidoso. Logo, a demanda por textos é também menor. Débora Dubois - Talvez a falta de incentivo aos novos autores teatrais seja mais antiga do que imaginamos ou talvez a gente não conheça suficientemente nossos jovens (e então o que dizer?). Talvez não estejamos dando espaço para aparecerem escritores espalhados pelo Brasil. Talvez o ensino escolar, nas aulas de literatura, passe longe da dramaturgia. Agência Estado - Aponte um atributo que, na sua opinião, é fundamental para um autor que queira escrever peças de teatro infantil. Ewerton de Castro - O autor de teatro infantil tem de ter essa consciência de seu dever social. Todo artista, incluindo os autores, sobretudo os que lidam com crianças, tem de se conscientizar de que é educador. E essa função é da maior responsabilidade. Se nossa obrigação é ensinar, o que estamos ensinando para as nossas crianças e/ou adolescentes? Estamos, com o nosso trabalho, prestando um serviço ou um desserviço ao teatro já que somos formadores de espectadores? Aimar Labaki - Responsabilidade, saber que está falando para um público "desarmado" que será inevitavelmente influenciado. Vladimir Capella - Em primeiro lugar, deve ser um bom autor. Sem especificação. Isso é fundamental e raro. Depois, deve ser um adulto que ainda não tenha deixado morrer a criança que um dia ele foi. Não pode ter vergonha disso. E mais: precisa ter conservada intacta, em algum cantinho de si, a capacidade de chorar, de torcer e se emocionar ao ler um conto de fadas. Pamela Duncan - Honestidade consigo próprio é o principal caminho. Isser Korik - Dominar o ofício de escrever para teatro é fundamental. As especifidades da dramaturgia em relação à literatura ganham grande importância em teatro para crianças. Em seguida, ter contato com crianças e o seu universo. Débora Dubois - Aliar criatividade com bom senso. Acho que isso vale para todos os envolvidos com teatro para crianças e jovens. Agência Estado - Nas peças que você tem visto ultimamente, nos palcos de São Paulo, no horário da tarde, que defeito mais o incomoda? Quais os principais problemas que saltam aos seus olhos na platéia? Ewerton de Castro - São muitos, mas o maior deles é falta de texto. Os atores, atualmente, acham que basta colocar um nariz vermelho e improvisar uma ou duas situações e está realizado um espetáculo. Há uma grande diferença entre teatro e animação de festa infantil. Quando não improvisam um texto, fazem tudo usando mímica. E esses "clowns" mal preparados gastam minutos intermináveis para canhestramente tentar tirar um pé de sapato sem que isso esteja inserido em nenhum contexto dramatúrgico. Vladimir Capella - Primeiro, o desconhecimento do universo receptor ou uma visão equivocada sobre ele. Segundo: uma velha e generalizada mania de ver o entretenimento como a única possibilidade de dialogar com o universo em questão. E terceiro, a inexpressividade enquanto realização artística. Isser Korik - A falta de conteúdo. É como se, para agradar as crianças, não houvesse necessidade de idéias. A sensação que tenho é que existe uma crença de que basta ter um visual (cenários, figurinos, maquiagem) vistoso para se "distrair" as crianças. Débora Dubois - Falta de compromisso em se contar uma história séria, ou falta de objetivo ao contar uma história. Falta de criatividade e de bom senso, somados a um tratamento geral extremamente "infantilizado". Nós, adultos, temos a terrível e assustadora tendência de nos tornarmos "imbecis" diante deles, na ânsia de agradá-los. Às vezes, nós, fazedores desta arte, nos perdemos, e aí já é tarde; outras vezes, estamos tão envolvidos no trabalho que não conseguimos enxergá-lo com distanciamento e senso crítico para entendê-lo e consertá-lo. Agência Estado - Um autor de peça para adolescentes precisa levar em conta a agilidade da linguagem de videoclipe, os videogames, a internet, se não quiser correr o risco de ficar falando sozinho. Você concorda com isso? Por quê? Ewerton de Castro - A magia do teatro independe de modismos e ritmos alucinantes. Teatro é teatro, videogame é videogame e internet é internet. Cada coisa no seu devido lugar. Cada coisa com a sua linguagem. O teatro pode usar outras linguagens desde que não despreze a sua, que é a da magia absoluta. Aimar Labaki - Se por "levar em conta" você quer dizer "se adequar", não concordo. Teatro tem uma lógica diferente. É óbvio que é preciso compreender as dificuldades de concentração do público de videoclipe - nesse sentido, fazer uma peça longa pode ser um erro. Mas é possível levar o espectador jovem a experimentar outro ritmo, outra possibilidade de fruição de um espetáculo, na medida em que se consiga sintonizar seus interesses e suas questões. Vladimir Capella - Um autor de teatro, para qualquer idade, precisa levar em conta o ser humano. Ajudá-lo a encontrar significados para a vida. Trabalhar com as questões essenciais que o atormentam, fornecendo subsídios para que ele possa identificar-se, projetar-se, rir, chorar, reflexionar e construir sua história. E isso pode ser feito com uma linguagem ultramoderna ou clássica. Assim como um diretor pode conceber um espetáculo cibernético ou com velhas caixas de papelão. Pamela Duncan - Acho que a gente fica falando sozinho quando se acha na obrigação de ser "moderno" e coloca tecnologia sem sentido no palco, sem conteúdo. Débora Dubois - Acredito que o teatro também deve viver suas delicadas mudanças e o uso da tecnologia é uma das formas, se for pensada de forma criativa, procurando e pesquisando maneiras diferentes de utilizá-la no palco. Isser Korik - Sou contra. A agilidade que procuro é puramente teatral. Ritmo tem a ver com emoção. Agência Estado - Você acha que existe uma linguagem específica para falar com criança no teatro ou você acha que todo tipo de segmentação é castrante? Ewerton de Castro - Há assuntos que interessam mais às crianças, mas a linguagem é uma só, a teatral. Ou podemos correr o risco de se fazer um teatro debilóide. A criança deve ser tratada como gente. Aimar Labaki - No caso da criança, não acho que seja uma questão de segmentação, mas sim de adequação e responsabilidade. Fora isso, existem tantas linguagens possíveis quanto o número de peças a serem escritas. Criança é ainda mais aberta que o adulto. Embarca na linguagem e no jogo propostos. Se forem bons. Vladimir Capella - Não dá para dizer que não há uma certa especificidade. Há sim. Mas não se pode fazer disso um bicho de muitas cabeças, senão vira teatrinho infantil. Quem pode nos dar parâmetro é aquela criança interior de que eu falei anteriormente. Se ela estiver viva dentro da gente, ela sabe o que podemos ou não fazer e dizer. Isser Korik - Acho importante que o autor saiba a quem se dirige. Para mim, o entendimento de um texto tem a imagem de uma espiral ascendente. Uma criança menor entenderá os fundamentos da história, se envolverá com os personagens, saberá onde começou, onde terminou, quem "ganhou"... Uma criança maior perceberá mais detalhes. E os pais refletirão com profundidade sobre os valores propostos, a linguagem estética. O bom texto é o que atinge todos os níveis da espiral. Débora Dubois - Penso numa "linguagem específica" para cada tema e espetáculo e tenho medo de me estagnar e me tornar repetitiva. O que acho importante é se ter uma faixa etária clara para ser atingida; isso pode ajudar muito, tanto o autor como o diretor, para não se perder e poder criar um espetáculo claro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.