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Teatro Municipal abriga nação Béjart

Sob o comando de um dos mais famosos coreógrafos do século, o Ballet de Lausanne exibe até domingo A Rota da Seda e clássicos como O Capote

Por Agencia Estado
Atualização:

Os vôos coreográficos de Maurice Béjart, o homem que mais perto chegou de transformar a dança em um fenômeno de massas no século 20, está de volta ao Brasil. Pela quinta vez, a obra de Béjart visita São Paulo. Seu Ballet Lausanne inicia hoje, no Teatro Municipal, uma breve temporada até domingo. O prato de resistência será A Rota da Seda, coreografia estreada em 99, em que o artista reinventou a viagem de Marco Polo. Mas o público poderá ver também um clássico béjartiano, Sete Danças Gregas, e uma obra adaptada da literatura russa, O Capote. De Paris, em entrevista por fax, o artista de 73 anos (que deve ser submetido em breve a uma cirurgia e não acompanha o grupo na turnê) falou das obras que serão apresentadas e de sua companhia hoje. Que peças a trupe trará ao Brasil? Maurice Béjart - Escolhi obras que representam o atual estado de minha criação. A Rota da Seda, eu fiz em 99. É um balé colorido, com muita variedade, do jeito que eu gosto. Pode-se dizer que existe nele um personagem central, uma espécie de Marco Polo que costura a trama e faz o balé viajar por várias partes do mundo, de Veneza à China. Brinco com as cores e as músicas para construir a atmosfera, com muitos elementos orientais. Em Fragmentos, revisitei várias obras do passado e reorganizei tudo. Uma delas é L´Enfant Roi, que põe em cena os `Luíses´ da França. Encomenda do governo francês, estreou em Versailles, onde nasceu o balé. Criei essa peça impressionado por um tornado que varreu Paris, destruindo jardins. Chorei quando vi tantas árvores caídas. Achei bom levarmos essa peça para o Brasil, com todos os seus problemas de desmatamento. Outra parte de Fragmentos é Deux Études pour une Dame aux Camélias, com música de Mozart, Cilea, Elton John e Alban Berg. Duas coreografias iguais ficam opostas se mudarmos música e luz. É um paralelo que queria fazer entre música e imagem. Quero saber o que vão achar por aí. Outro balé é O Capote, inspirado no romance russo de Nikolai Gogol, onde o tema central é um capote e o que ele desencadeia em termos de ambições, possessividade e relações humanas. Quis enfocar o fato de que, em nosso mundo, uma posse material é muitas vezes mais importante que os seres humanos, uma grande deturpação de valores. Em Sete Danças Gregas, de 83, com música de Mikis Theodorakis, tentei reproduzir o clima das danças gregas. Busquei o espírito delas, não quis me ater a passos folclóricos. Na estréia, ganhou o prêmio de melhor coreografia européia. Em 99, foi remontada a pedido da Ópera de Paris. Como surgiu o balé A Rota da Seda? Quis criar um tipo de Marco Polo para fazer a dança viajar por várias partes do mundo. Todos conhecem meu profundo interesse pela vida no planeta, em suas mais diferentes formas e regiões, em especial o Oriente. A idéia que me levou a pensar no roteiro de A Rota da Seda foi essa, o desejo de integrar em dança várias partes do mundo, que estiveram em outros tempos reunidas por uma necessidade, a do comércio desse tecido, que era considerado extremamente precioso. Qual a importância dos temas orientais em sua obra? Sou muito ligado à filosofia oriental e criei várias coreografias em que expresso esse vínculo. Sempre li muito a respeito. Creio que sou profundamente influenciado por sua estética, ética, cultura e crenças religiosas. É inesgotável essa filosofia, pede um continuo processo de aprendizagem. Acho que herdei esse interesse de meu pai, que era filósofo. Medito diariamente, e em meu quarto, herança de meu pai, tenho uma enorme estátua de Buda que me acompanhou pela vida afora, até hoje. A ligação com o Oriente e sua filosofia é algo que carreguei desde cedo. Como definiria as principais características da sua companhia, hoje? Acho que uma delas é minha insistência na necessidade de meus artistas perceberem que estamos ligados ao mundo, e na necessidade de que é preciso ter a formação mais abrangente possível. O treino clássico dos bailarinos de minha trupe é severo, como tem de ser. E a complementação dele vai de aulas de kendô, flamenco, canto, interpretação, até o conhecimento de danças folclóricas de várias regiões do globo. Temos bailarinos de todo o mundo. Hoje somos na companhia uma grande nação, e é esse tipo de comportamento que vai salvar a humanidade, essa constatação de que não há diferença entre nós. E o mais importante é a capacidade, na qual insisto muito, de que temos de nos adaptar a qualquer situação. Meus bailarinos estão prontos a dançar qualquer coreografia, qualquer obra, não só a minha. Resumindo: formação eclética e disciplina férrea. Tem predileção especial por algum de seus balés? Se sim, qual, e por quê? Eu gosto de muita coisa que fiz. O que tem me estimulado muito hoje é a possibilidade de rever trabalhos feitos no passado e gostar desse, mas não gostar muito daquele, como se estivesse revendo várias fases da minha vida. Como falei, gosto de muita coisa, seria difícil separar somente um. Mas Le Presbitère n´a Rien Perdu de son Charme... é muito importante para mim, porque foi uma catarse para a morte de dois grandes amigos, o bailarino Jorge Donn e o cantor Freddie Mercury. É um balé que ainda me emociona muito. Tenho carinho imenso por Bolero, Sagração da Primavera e um dos meus primogênitos, Sinfonia para um Homem Só, que fala da minha necessidade mesmo de ser sozinho, embora cercado de pessoas. Que novos trabalhos está desenvolvendo para sua companhia? Tenho vários projetos pessoais e para a companhia. Por exemplo, estou remontando a Sinfonia para um Homem Só, com uma visão mais contemporânea. Vou montar também um espetáculo para a Ópera de Torino e possivelmente coreografar um balé para o Kirov.

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