Teatro enfraquece fábula de José Saramago

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Por Agencia Estado
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Ficará em cartaz até o dia 9 no TBC - Assobradado, depois de uma temporada na sala menor do Teatro Cultura Artística, a peça infanto-juvenil A Ilha Desconhecida, uma adaptação de Marcelo Lazzaratto e sua Cia. Elevador de Teatro Panorâmico para a obra O Conto da Ilha Desconhecida, do Prêmio Nobel José Saramago (o livro foi editado no Brasil pela Companhia das Letras). Saramago produziu uma pérola sobre um tema que já rendeu obras-primas da literatura: a busca do autoconhecimento, a procura de si mesmo. Em tom de fábula, mas economizando em pontos finais e esticando os parágrafos ao máximo, o hábil narrador português conta a história de um reino que vive de prestar favores e de oferecer presentes a Sua Majestade. E é justamente na narração que peca a peça. O espetáculo resultou excessivamente narrado - e, o que é pior, mal narrado por atrizes que não dominam a técnica e falam sempre rindo, quase como se recitassem o texto com pressa, para que a próxima da ´fila´ assuma logo sua fala. Nesse aspecto da narração, A Ilha chega mesmo a um amadorismo próximo das montagens teatrais escolares. Melhor seria escolher uma só das atrizes e trabalhar com ela todos os recursos narrativos, a difícil arte de contar histórias oralmente. A melhor escolha teria sido por Heloísa Cintra, que se destaca entre as outras atrizes-narradoras, além de fazer o papel de ´a mulher do Censo´. Na interpretação do Rei Milena Costa também se sai bem, principalmente na divertida cena em que assina um cartão para autorizar a liberação de um barco para o protagonista, um misterioso homem à procura da ilha desconhecida (Pedro Haddad). Coragem - Essa questão da narração é comum de se analisar nas adaptações de obras literárias para o teatro, ou seja, nas transposições de livros para a linguagem específica da dramaturgia. É preciso ter coragem de ´sair do texto´ e não ser tão reverente ao autor, ainda que ele seja um Prêmio Nobel, como Saramago. Além disso, há um visível descompasso entre a primeira e a segunda partes do espetáculo. A peça começa mais criativa, instigante, intrigante. Quem são esses personagens? Para que servem aquelas portas (a da decisão, a das petições e a dos obséquios)? Que espécie de rei é esse? Por que a repetição cadenciada e coreografada das mesmas cenas? Excelentes dúvidas. Mas quando o homem finalmente ganha o seu barco e começa a segunda parte (a divisão não existe formalmente, mas é, de fato, uma espécie de segundo ato), o ritmo falha, fraqueja, fica lento. O diretor perde a mão. Passa a faltar a agilidade que se esbanjava no começo, ainda que um começo prejudicado pelos equívocos da narração. Até a cenografia fica mais pobre em idéias a partir da metade final do espetáculo. O uso de cordas para caracterizar um barco é mesmo inevitável? Não seria óbvio demais? O efeito do aparecimento de gaivotas poderia conter uma plasticidade exuberante, auxiliada pela iluminação - em vez disso, é também visualmente um efeito fraco. Trilha - Outra obviedade que deveria ter isso evitada: a utilização da canção que diz ´Quem te ensinou a nadar foram os peixinhos do mar...´. É uma bela canção, mas não tem muita ligação com essa fábula de José Saramago, a não ser pela presença do barco. Os atores encerram a peça cantando juntos o conhecido refrão, acompanhados por palmas da platéia (quase sempre estimuladas, não espontâneas). Como recurso para se encerrar uma peça infantil, talvez não haja nada mais óbvio do que isso. A cantoria pré-aplausos finais precisa ser bem utilizada, com o máximo de coerência possível com o desenrolar de todo o espetáculo, porque senão força um contentamento, forja uma aprovação, constrói uma euforia falsa na hora da saída. Teria sido melhor deixar a platéia se retirar em silêncio, pensando no próprio barco de sua vida, na sua ilha interior. Era a intenção de José Saramago ao escrever o conto. A Ilha Desconhecida. Sábado e domingo, às 16 horas. R$ 10,00. TBC - Sala Repertório. Rua Major Diogo, 315, tel. (11) 3115-4622. Até 9/9.

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