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SUTILEZA PARA ABORDAR O SOFRIMENTO

George Mann troca a palavra por mímica, máscaras e música ao vivo para falar sobre a necessidade de superar a morte

Por DANIEL SCHENKER
Atualização:

George Mann decidiu enfocar a importância de dar continuidade à vida após uma perda definitiva. Aos 31 anos, o ator e diretor, que conduz o grupo inglês Theatre Ad Infinitum juntamente com o israelense Nir Paldi, parece um pouco jovem para abordar a morte e suas implicações. Mas Mann já teve que lidar diretamente com ausências fundamentais. "O meu pai morreu há dois anos. Ele estava para morrer, vivíamos em suspense e quando aconteceu foi um alívio - para ele e para nós. E, anos atrás, perdi uma pessoa próxima que era bem jovem. Não quero incorrer numa generalização, mas na Inglaterra só é natural falar sobre a morte logo após o falecimento de alguém. Depois não há muito com quem tratar desse assunto tão difícil", justifica Mann, à frente da encenação de Translunar Paradise, que será apresentada em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil, entre 14 de março e 7 de abril.Influenciado pelo poema The Tower, de W.B. Yeats (1865-1939), George Mann surge como William, homem que, após a morte da mulher, Rose (interpretada por Deborah Pugh), torna-se refém do luto, até que ela volta à vida para ajudá-lo a seguir em frente. Apesar da conexão entre as questões levantadas e a sua trajetória, Mann evitou uma abordagem autobiográfica. "Senti necessidade de buscar certo distanciamento para dizer o que precisava", afirma. Para tanto, Mann escolheu ferramentas sutis, como a mímica, a máscara e o trabalho com objetos imaginários. Nenhuma palavra é dita no palco. A principal referência na construção dessa gramática cênica foi o francês Jacques Lecoq (1921-1999), que ingressou no teatro pelo esporte e difundiu um método de trabalho norteado pelas técnicas da Commedia Dell'Arte, pelo emprego de máscaras e pela utilização da mímica na construção da partitura física do ator, procedimentos reunidos na escola internacional que fundou em Paris, em 1956. "Jacques Lecoq lança perguntas fundamentais, como: 'O que você quer dizer? O que deseja ativar com o seu trabalho?'", destaca Mann, que não teve contato direto com Lecoq, e sim com professores treinados por ele.Augusto Boal. A sintonia com Lecoq se deu a partir da determinação de George Mann a estudar teatro pelo mundo. Em sua jornada, aproximou-se das técnicas do brasileiro Augusto Boal (1931-2009). Graças a esse percurso de descobertas, Mann não procura impor um caminho comum nos espetáculos que realiza. Não por acaso, as bases de Translunar Paradise não estavam estabelecidas a princípio. "Primeiro escrevi um roteiro, que ficou ruim, no qual havia uma terceira personagem, uma enfermeira, além do marido e da mulher. Em dado instante, pensei em convidar atores mais velhos. Entretanto, ficaria literal demais. Demorei até perceber que não deveríamos usar palavras. Um dia, vi um boneco amarrado na cintura de um ator numa apresentação no Blue Elephant Theatre, em Londres. Achei que seria uma possibilidade e comecei a experimentar as máscaras. As de rosto inteiro, fechadas, impossibilitam o ator de falar. Cogitei usá-las durante todo o tempo, mas depois quis que o público visse o contraste, a distância, entre a máscara de expressão idosa e os rostos jovens dos atores", diz. Durante o processo, o acordeom, tocado em cena por Kim Heron, despontou como um elemento singular. "É um instrumento emocional, que traz à tona a relevância da respiração", informa.George Mann também não planejava acumular as funções de autor, ator e diretor. "Não era para fazer como ator. Chamei Shane Shambhu, mas ele precisava sair em turnê com a Cia. Theatre de la Complicité", explica. Não há uma mesma proposta unificando as montagens da Theatre Ad Infinitum, fundada em 2007. "Não somos uma companhia de máscaras, de bonecos. Talvez os pontos em comum entre nossos trabalhos sejam o destaque ao trabalho corporal, a utilização de um mínimo de recursos e o consequente estímulo à imaginação do espectador", enumera.Depois de Translunar Paradise, que ainda será mostrada em Brasília, a companhia possui outro projeto em vista. Abordará o conflito Israel-Palestina através de texto de Nir Paldi. "Ele quer fazer uma peça sobre o que significa crescer em Israel em meio a vilas palestinas. Paldi considera que essa questão costuma ser vista de maneira maniqueísta, sem complexidade. É uma situação que vem se arrastando ao longo do tempo, a ponto de a guerra ter virado algo normal", observa Mann, acerca do trabalho que deverá estrear no Festival de Edimburgo, em agosto.

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