Surpresa é o chinês le fossé

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Por Luiz Zanin Oricchio
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O concorrente desconhecido ao Leão de Ouro foi, enfim, exibido: trata-se do chinês Le Fossé, de Wang Bing. É o relato cru da vida num campo de concentração no deserto de Gobi, onde dissidentes eram enviados, em 1960, para "reeducação". Nada do sofrimento dos prisioneiros é poupado ao espectador. Moram em cavernas, alimentam-se de raízes, ratos e há casos de canibalismo provocado pela fome. Wang filma em planos longos, decerto para que o impacto seja maior.Não escapa à banalidade do filme-denúncia. Na entrevista, irritou-se com perguntas sobre o conteúdo político do trabalho: "Meu filme não é contra nada nem ninguém; apenas quis recuperar esse período da história, que não conhecia, pois nasci em 1967, e fazer uma homenagem a essas pessoas", disse.Compreende-se a discrição, pois a China não é modelo de democracia. Wang ficou bravo também quando lhe perguntaram se havia filmado de maneira clandestina e se o filme seria exibido em seu país. Isso posto, há uma sequência realmente forte, quando a mulher de um dos prisioneiros vai visitá-lo, descobre que o marido está morto e busca sua sepultura para desenterrá-lo e lhe dar funeral digno. Essa Antígona às avessas, com a dignidade do seu modelo grego, salva o filme.Enquanto isso, com o festival já pela metade, crescem alguns títulos na bolsa de apostas. Um dos mais cotados é o russo Ovsyanki (Almas Silenciosas), de Aleksei Fedorchenko. Ao saber da morte da mulher que ama, Tania, Miron pede ao seu melhor amigo, Aist, que o ajude no funeral segundo a tradição meria, uma antiga tribo, perdida dos confins do Mar Negro. O filme é lindíssimo do ponto de vista visual, e tocante. Este, vocês vão poder ver - Leon Cakoff, diretor da Mostra de Cinema de São Paulo, disse ao Estado que já o programou na edição deste ano.Outro cotado é Post Mortem, ensaio do chileno Pablo Larraín sobre os efeitos do golpe no Chile sobre as pessoas comuns. A história do caso de amor entre um escrivão do IML e uma dançarina, em meio a um mar de cadáveres, e da dissecação do corpo de Salvador Allende, tocou a muita gente em Veneza. É filme de grande rigor artístico, maravilhosamente interpretado por Alfredo Castro no papel do ambíguo Mário. Recebeu ótimas críticas e está no páreo. VENEZIANASEspelho mágicoO cinema comove de muitas formas e uma das mais eficazes é ao mostrar a um povo suas raízes e mesmo seus aspectos risíveis. Foi o que descobriu Gabriele Salvatores (de Mediterrâneo, Oscar de filme estrangeiro)ao trabalhar com material de arquivo em seu filme de ficção 1960. Daquela época, tida como inovadora e revolucionária, saíram coisas como imagens de um programa de TV que perguntava aos espectadores como deveria ser a mulher italiana ideal: "Não muito inteligente", foi a resposta mais comum. O público de Veneza riu de si mesmo e aplaudiu o filme por dez minutos. Em pé.As escolhas do públicoJá começam a surgir os preferidos do público: a média mais alta (7,6) é do vietnamita Detetive Dee, de Tsui Hark, sobre a luta pelo poder no ano 690, quando uma mulher assume pela primeira vez o trono chinês. Depois vêm o italiano La Passione, de Carlo Mazzacuratti, e o chileno Post Mortem, de Pablo Larraín, ambos com 7,5.

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