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Suplemento Literário trata de obra de Celso Furtado

O livro 'Formação Econômica do Brasil' ganha resenha de Celso Furtado em 9 de setembro de 19159

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Por Redação
Atualização:

Paul Singer

 

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SÃO PAULO - De inegavel importancia este novo livro de Celso Furtado, autor que já em trabalhos anteriores havia demonstrado considerável domínio tanto sobre o seu material quanto sobre a tecnica de analise empregada. Neste novo estudo a analise exposta em sua "A Economia Brasileira" (Rio, 1954) é retomada e desenvolvida no tempo, dando lugar a um "esboço do processo historico de formação da economia brasileira". A importancia do livro decorre, porém, não apenas do seu tema mas principalmente do metodo empregado. A ciência economica moderna tem dedicado o melhor dos seus esforços no sentido de desenvolver metodos de analise capazes de captar a dinamica do processo economico. O instrumental assim forjado tem sido geralmente utilizado para o estudo da conjuntura economica momentanea ou sua evolução a curto prazo. Embora o metodo pretenda ter aplicação universal - a qualquer lugar em qualquer momento - a sua utilização na tarefa de explicar o desenvolvimento historico não tem sido muito frequente. Em relação à historia do Brasil, a tentativa do sr. Celso Furtado nos parece ser a primeira de vulto e como tal merece uma atenção toda especial. Não só porque está em jogo a destreza com que o A. aplica uma tecnica relativamente nova a um material já algo trabalhando, mas também porque a propria validade historica do metodo - a sua pretensão à universalidade - é de certa forma testada, na medida em que os resultados da analise cobrem, em maior ou menor grau os fatos.

 

O presente trabalho abrange praticamente toda a historia do País: analisa os diversos "ciclos" atravessados pela economia nacional (açucar, gado, ouro, café), o problema da mão-de-obra (escravatura, imigração, migração interna), a industrialização que teve lugar nas ultimas decadas e o significado do processo economico presente, a cujas particularidades mais salientes - inflação, penuria cambial - dedica cuidadoso exame. No estudo de todas estas diferentes conjunturas pelas quais passou a economia brasileira, o A. sempre procura verificar o funcionamento de uma serie de leis deduzidas de premissas teoricas (implicitas) em que ele se baseia. Assim, por exemplo, no estudo do "ciclo" do açucar uma enfase toda especial é dada ao fator "procura", sendo o papel da comercialização do produto, feita pelos holandeses, considerado decisivo, tanto para a grandiosa ascensão da produção brasileira, no seculo XVI, como para a sua decadencia no seculo XVII. Traçado este esquema teorico, torna-se no entanto, dificil enquadrar nele a realidade historica, pois se a simbiose economica luso-holandesa se rompe em 1580, data da união das coroas, "os pontos mais altos" da exportação de açucar foram "atingidos por volta de 1650" (pag. 29)...

 

Uma das teses centrais do livro é que "o comercio exterior é o setor dinamico do sistema (economico do Brasil)" (pag. 166) sendo que em seu comportamento está "a chave do processo de crescimento", ou seja, que o crescimento economico é induzido de fora para dentro, sendo a intensidade da expansão produtiva proporcional ao estimulo representado por uma procura cada vez maior de nossos produtos coloniais nos mercados europeu e - ultimamente - norte-americano. Acontece, no entanto, que nas epocas de mais intensa expansão do nosso comercio exterior, nossa economia mostrou apenas - como o reconhece o A. - capacidade de crescimento extensivo, apresentando um franquissimo indice de diversificação, ou seja, de desenvolvimento organico. Para explicar este fato o A. precisa recorrer a fatores específicos que teriam impedido que o processo economico tenha evoluido de acordo com a regra acima mencionada. No caso do açucar, seria a extrema concentração da renda nas mãos dos senhores de engenho, cujos gastos (monetarios) produtivos ou de consumo eram feitos quase exclusivamente no exterior. No caso da mineração, tal concentração da renda não se tinha verificado, o que deixa o A. em dificuldades ainda maiores para explicar o insignificante desenvolvimento economico induzido pela exploração mineira: "... o desenvolvimento endogeno - isto é, com base no seu proprio mercado - da região mineira foi praticamente nulo" (pag. 96). O A., depois de analisar todos os fatores que "deveriam" ter levado a tal desenvolvimento, encontra finalmente uma saida na "incapacidade tecnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala consideravel" (pag. 99). Mas é na analise do processo de industrialização que a contradição entre a lei geral e o comportamento da realidade se torna mais flagrante, pois é exatamente nos momentos de crise do comercio exterior (1.a Guerra Mundial, crise e depressão de 1929 a 1939 e 2.a Guerra Mundial) que o desenvolvimento economico nacional foi mais intenso.

 

A impressão que se tem é que o A. passa metade do tempo expondo as leis gerais que teriam regido (e ainda regeriam) a economia nacional e a outra metade explicando que fatores impediram a sua plena realização. Seria o caso de perguntar-se: qual a validez de leis que nunca ou quase nunca se realizam?

 

Somos de opinião que, dentro dos limites do metodo de analise adotado, o sr. Celso Furtado demonstra possuir compreensao apreciavel dos fenomenos economicos. O que espanta é que se apegue a certas concepções teoricas que ele mesmo submeteu a critica, das mais lucidas, no ultimo capitulo do seu livro anterior (A Economia Brasileira, cap. VI, 2.a parte). É verdade que não há contradição entre os dois livros, pois o segundo é uma tentativa de comprovar, com base na realidade historica, o esquema teorico apresentado no primeiro. A contradição está no fato de que o sr. Celso Furtado compreende os percalços das formulações que, para serem universais, são tão abstratas que "nesse plano de generalidades não é possivel construir uma teoria que nos dê uma explicação compreensiva do processo de desenvolvimento tal como o observamos na realidade" (A Econ. Bras., pag. 237), o que não o impede de apresentar sua propria construção teorica geral e abstrata e de nela tentar meter a realidade historica.

 

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Esta apreciação critica não tem o objetivo de negar o valor de certas partes do livro que lançam luz sobre muito fato pouco ou mal explicado dos ultimos decenios de nossa evolução economica. Somos de parecer, no entanto, que mesmo as partes mais prejudicadas pelo metodo empregado são preciosas, pois assinalam falhas - a nosso ver serias - da propria ciencia economica, como ela é praticada hoje em dia.

 

Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Editora Fundo de Cultura S. A., Rio de Janeiro, 1959, 291 págs.

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