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Coluna do escritor e arquiteto Milton Hatoum sobre literatura e cidades

Sugestões para um fim de semana (I)

Por Milton Hatoum
Atualização:

1. Ler sem mau humor esta crônica e depois esquecê-la, como esquecemos tantas coisas inúteis. Às vezes esquecemos até mesmo o que julgamos essencial.2. Lembrar que hoje é sexta-feira, promessa de algo que ainda não sabemos.3. Esquecer por algumas horas as planilhas, os cálculos, os compromissos, as reuniões, a internet, o facebook, a tevê... Assistir a uma ótima peça; por exemplo, a adaptação teatral do livro de Dino Buzzati: A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília, dirigida por Carla Candiotto. 4. Recordar os mortos que não merecem ser esquecidos. Abrir o álbum e rever a foto do pai, que algum dia foi áspero e insensato, mas esse dia está distante e todos nós fomos crianças, seres insensatos. E se pai e mãe estiverem vivos, sorte sua, leitor. Palavra de um órfão.5. Esquecer os inimigos, pois só as pessoas que amamos são dignas do nosso rancor. Lembrar que esse rancor é efêmero e, por uma alquimia de sentimentos, amanhã será amor.6. Aproveitar a insônia para ouvir um bolero cantado por Bola de Nieve, uma Serenata de Schubert, um baião de Gonzaga ou In a Sentimental Mood, na voz de Ella Fitzgerald. 7. Esquecer por 48 horas (sem intervalo) as mazelas e os infortúnios deste país, desde sempre encalacrado. Lembrar que é preciso ter paciência com o Brasil. Nossos surtos de razão e esperança são esporádicos, mas existem. 8. Ser caridoso, sem ser piegas. Ser generoso, mesmo sendo piegas. 9. Esquecer a derrota, a infâmia, a humilhação. Os vitoriosos, os caluniadores e os arrogantes tampouco têm salvação. 10. Lembrar que um mendigo pode ser um anjo; e um rei, um leproso. 11. Saborear o café forte, se possível puro, sem serragem. Beber o bom vinho da Borgonha, que é caro, mas o êxtase momentâneo não tem preço. 12. Ler o conto O Perseguidor, de Julio Cortázar. Se o achar muito longo, ler Continuidade dos Parques, do mesmo autor. Ou O Enfermeiro, de Machado, o mestre de todos nós, meros escrevinhadores. Para os que não gostam de ficção, ofereço esses versos de Bandeira: 13. "Belo belo minha bela/Tenho tudo que não quero/Não tenho nada que quero/Não quero óculos nem tosse/Nem obrigação de voto.../Quero a solidão dos píncaros/A água da fonte escondida/A rosa que floresceu/Sobre a escarpa inacessível.../". 14. Oferecer uma rosa amarela, branca ou vermelha à pessoa amada. Se não houver amada nem amado, não sei o que dizer. Em todo caso, oferecer...15. Passear por uma praça antiga da cidade e perguntar às pessoas o nome daquela árvore. Ninguém saberá nomeá-la, pois desconhecemos nossa flora. Mas observar uma árvore já é uma descoberta.16. Acordar cedo e escutar o canto dos pássaros: o sabiá-laranjeira, o irré, o bem-te-vi. Um canarinho da terra entrou no meu quarto e cantou com sotaque mineiro, mas era um canto triste e desafinado. 17. Acordar tarde e lembrar que o sonho nem sempre é presságio ou magia. Pode ser apenas uma prova de que estamos sós, numa casa sem espelhos.18. Cedo ou tarde, acordar. Caso contrário você estará do outro lado do espelho, o lugar dos que nunca acordam...

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