Sucesso português, "D. João VI" é encenado no Rio

Consagrada nos palcos de Portugal, peça do diretor Helder Costa é montada no País com elenco brasileiro. Estréia amanhã no CCBB carioca

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Por Agencia Estado
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Os diretores Helder Costa, do grupo português A Barraca, e Luiz Fernando Lobo, da Companhia Ensaio Aberto, encontram pontos coincidentes entre o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e a Revolução dos Cravos, que derrubou o salazarismo, em 1974. Por isso, eles estréiam amanhã, no Centro Cultural Banco do Brasil, com elenco brasileiro, a peça Dom João VI, que faz sucesso há quase 30 anos. "Naquela época, Portugal saía de 40 anos de fascismo e buscava seu lugar entre duas grandes potências, os Estados Unidos e a extinta União Soviética", ensina Costa, que é também autor do texto. "Hoje, o Brasil tem um governo popular e também precisa discutir seus caminhos. Não existe mais a União Soviética, mas o dualismo permanece, com o George Bush contra o eixo do mal." O espetáculo trata de um personagem pouco conhecido, mas comum às histórias do Brasil e de Portugal. Aqui, é lembrado quase como um bufão, embora tenha tido papel fundamental do estabelecimento do País como nação independente. "Lá ele é pouco discutido, a não ser sua fuga num momento de perigo, em que as tropas de Napoleão invadiam Portugal. O centro do texto é sua indecisão entre duas superpotências da época, a Inglaterra e a França", adianta o diretor. "Mas, se analisamos sua história pessoal, ele é um personagem de tragédia shakespeariana. Tornou-se rei por acaso, era dominado pela aristocracia, pela mãe e pela Igreja Católica, foi traído pela mulher e pelos filhos e morreu envenenado, embora fosse adorado pelo povo." Desde 2000, quando levou Morte e Vida Severina e Companheiros a Portugal, Luiz Fernando Lobo pensava em trazer Helder Costa para sua companhia. Eles se conheceram em 1984, quando Costa dirigiu aqui Morte Acidental de Um Anarquista, de Dario Fo, assistido por Lobo. A opção por um espetáculo histórico decorre do atual momento do País. "O brasileiro quer falar de seu passado e de sua realidade imediata. O sucesso de filmes como 174 e Madame Satã é uma evidência. Somos os primeiros a levar estes temas ao teatro, mas acho que outros se seguirão", comenta Lobo. "Dom João VI promove uma mudança oportuna nos rumos da Companhia de Ensaio Aberto. Nossos últimos espetáculos foram superproduções e agora voltamos para um teatro pequeno. É uma sacudida necessária." Helder Costa mudou pouco seu texto na travessia do Atlântico, porque já mostrou Dom João VI a públicos diversos na Europa, com resultados muito parecidos. "Quando a cena é bem concebida, a gargalhada e a emoção acontecem sempre no mesmo momento. Cheguei aqui disposto a alterar o que fosse preciso para adaptá-lo ao Brasil, mas o elenco achou desnecessário", conta o diretor e autor. Ele só acrescentou algumas referências brasileiras, como o fato de dom João VI ter criado o Banco do Brasil, que patrocina o espetáculo. "Há dados importantes aqui, mas não para Portugal." O entrosamento com o elenco brasileiro foi imediato, embora Costa tenha exigido deles o sotaque brasileiro em frases com a estrutura da língua falada em Portugal. "Foi estranho no início, mas facilitou a composição do dom João", conta Rogério Freiras, que vive o rei e é o único ator do elenco com personagem exclusivo. Os outros (André Valli, Amora Pêra, Ivone Hoffman, Tuca Moraes, etc.) se revezam e recebem elogios do diretor. "Esse elenco me inspira. Eles têm prazer de estar em cena e uma generosidade que leva os mais experientes a ensinaram o que sabem aos novatos. O ator brasileiro é intuitivo, reflexo do caráter do País", filosofa Costa. "Tem outro dinamismo, outra pujança." Lobo esperou dez anos para trabalhar com um diretor convidado. "Tínhamos uma parceria antiga com A Barraca, mas uma pessoa de fora tem outra ética e política. O grupo tinha de amadurecer e, agora, trabalhar com outras referências é importante para continuar a crescer", explica. "A história é de época, mas evitamos criar um espetáculo datado. Os figurinos (de Beth Filipeck) e o cenário (de Cida Modesto) mostram um império em decomposição, decadente e vão fazer o público refletir sobre nossa história."

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