Stoklos revisita obra de Melville

Em Preferiria Não?, atriz e diretora critica convenções sociais

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Foram mais de seis anos sem estreias. Denise Stoklos nunca se afastou dos palcos, onde seguiu apresentando trabalhos de seu repertório. Mas, desde 2004, não trazia a publico um novo espetáculo. "Eu sempre demoro muito mesmo", reconhece a artista. "É como um pão que a gente amassa e tem que esperar um pouco para ele crescer. Os espetáculos também levam um tempo ate ficarem maduros." Passado o período de maturação, o longo jejum será quebrado a partir de hoje com Preferiria Não?. A montagem, que já foi vista no Festival de Curitiba em março deste ano, abre sua primeira temporada nacional no Sesc Consolação. Stoklos encontrou em Bartleby, O Escrivão - conhecido livro de Herman Melville - a base para a recente criação. "Minha intenção foi fazer uma leitura da obra. E acho que não sai disso", diz a atriz, diretora e dramaturga. O que se observa em cena, contudo, não se parece propriamente com uma simples representação do conto.O procedimento não é muito diferente daquele que ela aplicou em suas trabalhos anteriores. Da mesma forma que fez em Desobediência Civil (1997) ou Louise Bourgeois - Faço, Refaço, Desfaço (2000), a artista foi buscar referências em obras literárias e personagens históricos. Embebeu tudo isso, porém, em um conteúdo marcadamente pessoal, trazendo marcas reconhecíveis de seu estilo. Uma estética que ela costuma chamar de "teatro essencial". "Eu não me fantasio nunca. Não precisei me vestir de rainha para fazer Mary Stuart. Não represento um personagem", defende. "Vou com a minha roupa de performer, como dramaturga dessa época em que vivemos, contar aquilo que nos une a determinada obra."Assim como acontece na obra de Melville, em Preferiria Não? quem conduz a fabula é o personagem do advogado, o dono do escritório no qual Bartleby trabalha como escrivão. Caberá a ele aprender a lidar com a insistente recusa do empregado em realizar qualquer tipo de atividade. Diante de um pedido ou mesmo de uma ordem, o jovem escriturário sempre responderá que preferiria não fazer. Ao persistir mantendo as negativas, Bartleby terminará banido do convívio social. No livro, seu destino é a prisão. Na montagem, será aprisionado em um hospício. Gradativamente, Stoklos contamina a peça com sinais que extravasam a concepção original do autor. Desde o inicio, impregna a figura do narrador com fragmentos de sua biografia para delinear um ser hibrido. "É um terceiro personagem. Que não sou eu, mas também não é o narrador concebido pelo Melville." É assim que o espetáculo servirá como acerto de contas da artista - que tem 61 anos - com seu próprio processo de envelhecimento, seu percurso e suas escolhas. "Nesse zoológico em que a gente vive, a idade não é patrimônio, é doença", considera. "Trato agora de questões que antes simplesmente não apareciam. É quando você já perdeu sua mãe com Alzheimer, quando você já viu a cara da doença, que certas questões aparecem."Em alguns momentos, Stoklos também parece ter a pretensão de "atualizar" certos aspectos da criação, aproximando-a de neuroses típicas do nosso tempo. O personagem do narrador revelará, por exemplo, traços de hipocondria. "Ele é um doente do sistema", acredita. "Já o Bartleby, que aparece como doente, é o único que não esta enfermo. Com a sua recusa, ele apresenta uma possibilidade de parar com algo que não se mostra viável, saudável." A aproximação com o presente passa ainda pelo reforço da crítica ao sistema capitalista de exploração voraz do trabalho. O que já estava sugerido em Bartleby, o Escrivão surge aqui com tintas mais fortes. A montagem de Stoklos coloca-se como espelho de situações e questões que a plateia facilmente identifica como muito próximas do seu cotidiano. "Não é um teatro de mentirinha. Mas um teatro que tenta entender como essas situações reverberam agora."PREFERIRIA NÃO?Sesc Consolação. Rua Dr. Vila Nova, 245, 3234- 3000. 6ª e sáb., 21h; dom., 19h. R$ 32. Até 18/9.

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