SP ganha teatro 12 metros abaixo da terra

Ricardo Karman é o diretor do Teatro do Centro da Terra, inaugurado ontem, construído no subsolo de um edifício no Sumaré. Anjo Duro abre a programação

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Por Agencia Estado
Atualização:

Que nos perdoem os bons entendedores, mas no Teatro do Centro da Terra, que foi inaugurado ontem no bairro do Sumaré (Rua Piracuama, 19) para convidados, paira um certo espírito de Antoni Gaudí pelo tom modernista - ou art nouveau, segundo os franceses - que carrega. Para chegar ao teatro é preciso descer 12 metros de profundidade, por escadas ou elevador. O responsável pelo projeto, que levou dez anos para ficar pronto, é o diretor e arquiteto Ricardo Karman, proprietário do pequeno edifício que abriga nos três andares de cima a Kompanhia Teatro Multimídia. "Todos os problemas que enfrentei nos meus espetáculos tentei evitar na construção desse teatro", enuncia o diretor. A empreitada, que contou até o momento com o patrocínio único e exclusivo do próprio bolso (afirma não saber precisar o montante), só causaria maior perplexidade se de Karman não se conhecesse os trabalhos anteriores. O primeiro foi a expedição multimídia Viagem ao Centro da Terra (1992), que ocorria, como o título sugere, dentro de um túnel sob o Rio Pinheiros. O segundo, A Grande Viagem de Merlin (1995), colocava o público na boléia escura de um caminhão e seguia com ele para um local ermo à beira da estrada, na região de Jundiaí. "Nos trabalhos que faço, o mais importante é o processo. Não tenho dados a priori. Parto apenas de um tema ou uma idéia e a partir daí a coisa vai ganhando corpo e movimento", afirma o diretor, que trabalhou no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), de Antunes Filho, entre os anos de 85 e 89. Recentemente, Viagem ao Centro da Terra foi apresentada no Rio, com o público dentro de tubos infláveis, diante da falta de tubulação original compatível. As Expedições Experimentais Multimídia de Karman são realizadas sempre em parceria com o artista plástico e videoperformer Otávio Donasci. A idéia de construir um teatro subterrâneo surgiu em 88, quando Karman costumava ficar no quarto subsolo do prédio (os três de cima são garagens) devaneando com a construção de uma sala de ensaios naquela cavidade. Princípio de visionário, resolveu dar forma ao sonho aos pouquinhos. A primeira dificuldade foi derrubar uma pilastra que varava o espaço ideal do palco e que se pensava ser de sustentação fundamental do prédio. Com a ajuda de engenheiros, incluindo a do pai, o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman, concluiu-se se tratar de uma pilastra secundária, facilmente substituível por uma espécie de pórtico de sustentação. Espaço do palco liberado, Karman e operários deram início ao espantoso trabalho de começar a "esculpir" o teatro, retirando carrinhos de terra que eram levados para o térreo. Havia a preocupação de que ninguém descobrisse a obra, uma vez que não existia ainda autorização da Prefeitura para modificação do prédio. Em 94, Karman, já avançando na construção de um espaço que se tornava mais que uma simpática sala de ensaios, procurou o então vereador Marcos Mendonça. "Levou cinco anos até sermos beneficiados pela lei da anistia que possibilitou a regularização do teatro", lembra. O espaço conta também com o Auto de Verificação de Segurança (AVS) e alvará de funcionamento. Feito para abrigar cem espectadores, o Centro da Terra comporta todas as comodidades de um grande teatro. Tem elevador, três andares de garagens no subsolo, saguão com uma bela vista para o Sumaré (curiosamente, por ser um bairro cheio de aclives e declives, o que é subsolo na frente é andar acima do solo atrás), bar, banheiros, quatro camarins no quinto subsolo, cem poltronas cinzas em declive, palco com assoalho de ipê, urdimentos, coxias, cortinas de veludo vermelho na boca de cena e até um fosso aberto no palco. "Queremos avançar na contramão da impessoalidade", define Karman. Além de teatro, o local pretende ser um centro de produção e investigação permanentes. Foi formada uma equipe de profissionais de várias áreas para gerir o espaço: o dramaturgo Samir Yazbek, a pesquisadora Silvana Garcia, os atores Hélio Cícero e Yunes Chami, o videoperformer Otávio Donasci e o performer Renato Cohen. Na administração, estão Geondes e Vivian Bertocco. "Cheguei até aqui com um teatro para oferecer a São Paulo. Agora são necessários recursos para manter o espaço vivo", diz Karman. A programação começa no dia 13, com quatro curtas temporadas de Berta Zemel (Anjo Duro), Sandro Borelli (Bent, o Canto Preso), Cida Moreira e Guto Lacaz (Máquinas II). Os ingressos custam R$ 20,00. Estudantes e pessoas com mais de 65 anos pagam metade do preço. O telefone do teatro é 3675-1595.

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