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Galerias estrangeiras avançam no mercado e já disputam colecionadores na SP-Arte, que abre hoje sua nona edição

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

As vendas de arte no Brasil mal chegaram a R$ 1,5 bilhão no ano passado, representando em torno de 1% do mercado global, segundo estimativa de especialistas, mas, a despeito desses números ainda modestos, as galerias estrangeiras fazem mais do que acompanhar a movimentação do comércio de obras. Elas já representam metade das galerias brasileiras reunidas na concorrida SP-Arte, feira que chega hoje à nona edição como uma espécie de termômetro desse mercado, cuja temperatura está em alta desde que o número de colecionadores começou a crescer com a valorização de artistas brasileiros em leilões internacionais. Galerias estrangeiras como a Gagosian, a White Cube e a Pace, três das maiores entre as 41 que dividem espaço com 81 brasileiras, não entraram na feira para disputar artistas, mas colecionadores brasileiros - para a arte estrangeira que trazem, naturalmente. E há de tudo à venda nelas: do sério construtivista alemão Josef Albers (1888-1976), representado por obra de sua mais conhecida série, Homenagem ao Quadrado (iniciada em 1949), ao americano Jeff Koons, o rei da arte paródica, uma das estrelas da Gagosian, cujo preço médio está por volta de US$ 6 milhões.

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Esta é a edição com maior índice de galerias estrangeiras, representando 16 países, entre eles os maiores mercados do mundo, destacando-se os EUA (com 33% das vendas mundiais) e Inglaterra (23% do mercado). O Brasil está no mesmo nível da Itália e Suécia (1%), mas, entre os emergentes, é o que cresce de forma mais acelerada. Os estrangeiros não são bobos. Conhecem o potencial do negócio. Até agora, brasileiros só compravam brasileiros, mas, com o crescimento econômico do País, os colecionadores já disputam obras estrangeiras, de maior cotação e liquidez. E terão nomes à escolha na feira. Só a Pace, galeria fundada nos anos 1960, em Boston, com ramificações em Nova York, Londres e Pequim, traz Albers, Tapiès, Chuck Close e Calder, cujos móbiles podem custar até US$ 20 milhões (não há obras dele com esse preço na feira).

"Por enquanto não temos artistas brasileiros, mas há muito interesse em Londres pela arte contemporânea produzida aqui e estamos planejando uma mostra em 2014 lá", confirma Elizabeth Esteve, representante da Pace. Filha do empresário e colecionador Kim Esteve, ela, a exemplo de outros galeristas estrangeiros, não ignora a ascensão do mercado chinês, mas aposta no Brasil como a bola da vez. Susan May, curadora da galeria White Cube, que se instalou em São Paulo, comparando o mercado chinês e brasileiro, vê o último como "mais cosmopolita e sofisticado". O fato é que os chineses vão buscar obras antigas para repatriar as raridades saqueadas pelos ocidentais (os chineses importam o dobro do que exportam). Os brasileiros, até pela recente história do País, preferem comprar arte contemporânea - e a galerista Nara Roesler oferece a eles o best seller Vik Muniz, embora também promova estrangeiros como o inglês Isaac Julien (foto maior acima) e não tema a concorrência das galerias estrangeiras. "Eles trazem artistas internacionais importantes para a feira e o know-how, que é essencial para a promoção dos nossos artistas."

A presença dos contemporâneos brasileiros nos leilões internacionais contra a ausência dos modernos brasileiros no mercado externo, por exemplo, pode ser compensada pelo livre trânsito dos galeristas estrangeiros, capazes de promover lá fora a arte de gênios como Volpi, hoje nas mãos de 10 colecionadores brasileiros (se tanto), apenas aguardando o assédio dos curadores de museus e marchands estrangeiros (que demora, mas certamente virá, como veio para Hélio Oiticica e Mira Schendel). O galerista Paulo Kuczynski, antecipando-se a essa possível ressurreição modernista, mostra em seu stand três desenhos raríssimos que Di Cavalcanti fez um ano antes da Semana de Arte Moderna de 22. Eles pertencem a uma série de 16 trabalhos chamada Fantoches da Meia-Noite, feita para um livro de artista publicado por Monteiro Lobato (apenas 50 exemplares). "Hoje é grande a dificuldade de reunir toda a série, que deveria ir para um museu, assim como a obra de outros modernistas", diz, alertando para o interesse que os museus estrangeiros demonstram pelos brasileiros (a Tate, que abre em janeiro de 2014 uma mostra de Mira Schendel, já pensa em Volpi, garantem fontes do mercado).

A difusão da obra, tanto dos modernos como dos contemporâneos brasileiros, é um papel que a SP-Arte tem cumprido, oferecendo um panorama aos visitantes estrangeiros, que crescem a cada ano, embora ainda representem apenas 4% do público (20 mil pessoas em 2012), segundo a criadora e diretora da feira, Fernanda Feitosa. Ela desenvolveu uma estratégia não para concorrer com feiras mais antigas (como a Art Basel, que tem 52 anos), mas para divulgar a arte brasileira aqui e lá fora: além de incentivar compras para doações a museus, abriu um laboratório curatorial destinado a novos profissionais, cujos projetos de exposições premiados (com obras de galerias participantes) vão garantir a quatro autores bolsas para Veneza e Istambul. "Os jovens curadores precisam ir lá fora conhecer os artistas estrangeiros", justifica. Num mercado globalizado, faz todo o sentido.

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