´Somos grandes´, dizem artistas que fazem teatro infantil

Representantes da classe artística repercutem artigo do Estado

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Ainda há muito preconceito emperrando as produções teatrais voltadas para crianças e jovens, mas a onda é de otimismo, pois o panorama melhorou muito, sobretudo por causa do alto nível das montagens atuais. Em artigo publicado quarta-feira, no Estado, Um Panorama Otimista do Teatro Infantil, o crítico Dib Carneiro Neto, editor do Caderno 2, apontou 12 fatores positivos que justificariam esse otimismo do setor. Agora, a pedido do Estado, alguns representantes da classe artística opinam sobre o que ainda falta conquistar, para que melhore ainda mais o quadro do teatro para infância e juventude no Brasil. Confira. Roberto Morettho, diretor da Cia. O Grito: "O que realmente precisa mudar é a opinião dos adultos sobre o que consideram interessante para o público infantil. A produção tem melhorado, mas lá na ponta, nas escolas, vejo que ainda o que interessa são espetáculos pretensamente didáticos. Nosso diálogo com as crianças tem de ser o estético, o sensível, o simbólico." Wilma de Souza, diretora de Teresinha e Gabriela - Uma na Rua, Outra na Janela: "Cansei de ouvir colegas perguntarem quando eu iria fazer teatro adulto porque eles não tinham paciência para ver infantil. Hoje, os colegas convidados não só aparecem para assistir a meus espetáculos como fazem críticas e comentários a respeito de sua qualidade artística. Cansei também de ouvir que quem fazia teatro infantil estava começando ou era iniciante na carreira e que eu devia sair dessa. Hoje, a maior parte da categoria respeita essa opção e até se oferece para participar dos espetáculos. Sou otimista e acredito na seriedade daqueles que realmente se dedicam a essa arte tão específica, até pouco tempo bastante discriminada. Acredito temos de continuar unidos para garantir essas conquistas, o que acho que está acontecendo naturalmente, pela necessidade de trocar idéias e experiências nessa área.Não existe o meu e o seu. Sinto que neste momento o importante é o ´nosso´ teatro para crianças e jovens." Lavínia Pannunzio, autora e diretora de Era Uma Vez Um Rio: "O teatro precisa de pouca coisa para conquistar o público: bons textos, atores que nos convençam (daqueles para quem a gente pode dar a mão e fechar os olhos!) e apuro estético, seja qual for a linguagem e o assunto escolhidos." Paulo Rogério Lopes, autor de O Pallácio não Acorda: "Uma mudança bacana que vejo na minha área é a valorização e busca de uma dramaturgia original em detrimento da mera reprodução de modelos testados e aprovados. Mesmo que se pretenda levar aos palcos um conto de fadas já pertencente ao imaginário infantil, percebe-se a nítida preocupação (e risco) da adequação da fábula para, no mínimo, estimular a percepção através de novas associações." Alessandro Hernandez, ator de O Caso da Casa e A Terra Onde Nunca se Morre: "Acho que os artistas de um modo geral estão mais preocupados com o teatro infantil, talvez, justamente, pelo crescimento do setor. Isso é ótimo para nós e para o público, mas acho que alguns programadores ainda olham para as produções de teatro infantil como algo a ser avaliado, uma espécie de censores, para ver se seu espetáculo atinge o público A ou o público B, não levando em consideração que o teatro precisa correr riscos, pois só assim cresceremos como artistas, aprimorando as produções. Já ouvimos de programadores que em nosso cenário faltava cor, como se todo espetáculo infantil - para agradar a criança - tivesse de ser colorido." Ana Luísa Lacombe, atriz de Lendas da Natureza: "Reconheço um aprofundamento estético e um caráter mais artístico nas atuais montagens de teatro infantil. Podemos identificar uma variação de temáticas e propostas de encenação inovadoras. Aos poucos, o teatro infantil vai ganhando o status que merece no cenário de São Paulo." Wanderley Piras, ator e diretor da Cia. da Tribo: "Será que é otimismo demais? Talvez, mas o teatro infantil carece desse brio, porque foi estigmatizado durante anos e serão necessários outros tantos anos até que essa imagem, muitas vezes distorcida, possa finalmente assumir a figura de respeito que o teatro infantil merece, por ser ele um verdadeiro celeiro artístico. Como dizia Chico Science: Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar." Ricardo Karman, diretor de O Ilha do Tesouro e O Kronoscópio: "Nunca entendi direito a distinção pejorativa entre um gênero e outro do teatro. Para mim, tudo é arte cênica e a questão da qualidade e relevância artística atinge a todos indiscriminadamente. Qualquer teatro pode ser artisticamente significativo ou não. Talvez a idéia equivocada de que teatro para crianças deva ser excessivamente pedagógico, com moral da história e tudo o mais, seja o problema. Tanto quanto o é para o teatro adulto. Peças panfletárias, didáticas, com conclusões moralistas são chatas em qualquer gênero. É fato que, cada vez mais, bons grupos de teatro ´adulto´ estão fazendo teatro ´infantil´. E percebo, também, que sua busca é cada vez mais por uma expressão artística legítima, do que o educacional estereotipado. Se confirmado, esse novo panorama do teatro infantil em São Paulo será um alento e uma oposição ao teatro infantilóide caça-níqueis que ainda assombra o nosso querido público." Henrique Sitchin, diretor e ator da Cia. Truks: "De fato, vivemos um momento especial no que se refere ao panorama do teatro infantil feito hoje em São Paulo. São louváveis, não somente, os esforços de produtores, grupos, atores, e, enfim, toda a classe teatral que, em alguns casos empreende batalhas de décadas, pela melhor qualidade de nosso teatro infantil, como também de um jornal como o Estado, que opera não apenas a "crítica" do que seja bom ou ruim, neste teatro, mas que, principalmente, aponta direções e assume a responsabilidade de fazer parte de um processo conjunto, que almeja a real valorização, a partir da melhoria de qualidade, dessa forma de arte. Ainda que o quadro seja realmente favorável, creio que ainda tenhamos muito o que trabalhar (e sempre teremos, artistas que somos...). Há um aspecto do teatro infantil que ainda nos parace carecer de muita reflexão: A própria imagem do teatro infantil, e como essa arte é compreendida por pais, programadores e educadores. Já não falamos mais dos encenadores, pois julgamos que foram feitos essenciais progressos. Mas falamos, sim, de um teatro que ainda encontra dificuldades para "ser aceito" quando trata de temas complexos, como se o teatro infantil isso não o permitisse. Falamos de um teatro que ainda encontra dificuldades quando não se propõe "colorido", "musical" ou "feliz". Há tabus no teatro infantil. Há procedimentos quase proibidos por programadores, administração de teatros, professores e pais. O que deve ser e qual seria a função do teatro infantil? Que olhar destinar à criança que assiste ao teatro? Que estudos empreender sobre o que diz respeito à arte para crianças? Enfim, propomos debates, seminários e, enfim, uma profunda reflexão sobre o tema, para que possamos "soltar algumas das últimas amarras" que nos engessam e nos tornam "inviáveis", na medida em que direcionamos nossa arte para um caminho mais desafiador que, certamente, poderia abrir novas e ainda mais otimistas portas." Cris Lozano, diretora de As Roupas do Rei e O Vôo de Andersen: "Gostaria de apontar uma questão para debate futuro: Não temos um horário especifico para teatro jovem - aquele dos pré-adolescentes - entre 9 e 12 (ou14). Temos de ´cavar´ este lugar pois a galera dessa idade não vai mais ao teatro infantil porque sabe que não é dirigido para sua faixa etária." Isser Korik, autor e diretor de Ele É Fogo e O Grande Inimigo: "Eu concordo com a idéia geral de otimismo no teatro infantil de hoje, e também sinto essa melhora. Fica um pouco um papo de ´ovo e galinha´, mas o fato é que alguns teatros da cidade valorizaram o espaço do teatro infantil e a produção de infantis aproveitou a brecha e caprichou no seu trabalho. Todos saem ganhando, principalmente o público. Acho que merece atenção o fato de hoje existirem companhias que se especializaram em teatro para crianças. A visão dentro do próprio mercado de atores mudou. Até algum tempo atrás, um ator aceitava trabalhar em um espetáculo infantil enquanto não aparecesse uma oportunidade em teatro adulto. Hoje temos grupos de atores que se dedicam ao teatro infantil por opção, vale um levantamento. Alguns desafios que ainda precisamos vencer: 1) O público real de teatro infantil ainda se concentra na faixa das crianças menores (2 a 5 anos). O público de crianças ´maiorzinhas´, de 6 a 12 anos, é bem mais difícil de atingir. Nessa idade, elas se afastam do teatro. Seja porque já têm outras oportunidades de entretenimento independente, seja porque nós ainda não conseguimos acertar a mão com esse público. 2)Ainda é muito maior a aceitação de espetáculos de títulos conhecidos, clássicos, fábulas já muito montadas. Produzir um espetáculo com uma história totalmente original é um risco muito maior." Antonio Rogério Toscano, autor de Os Meninos e as Pedras: "Realmente, hoje temos praticado aquilo que, há uma década ou duas, parecia um sonho: o teatro para jovens e crianças recebe um tratamento que envolve pesquisa de linguagem séria, que procura tocar suas sensibilidades sem cair nos velhos truques das facilitações ordinárias; encontramos textos que problematizam questões e não ficamos repetindo fábulas sem critérios; não temos mais tantos cacoetes e procuramos realizar uma cena inventiva; e, fundamentalmente, este já não é mais um teatro menor, feito para pagar as contas. No que diz respeito a Os Meninos e As Pedras, sempre lidamos com a questão de modo objetivo, tentando superar o limite curto que envolve a percepção do "que é e do que não é para crianças". Queríamos uma cena que envolvesse o público para além das faixas etárias. É claro que os temas são tratados com outra dimensão, com outra complexidade - mas nunca sem complexidade! Eu me lembro de uma discussão tão bacana levada no Festival de São José do Rio Preto, de 1991, quando o Vladimir Capella colocava para os grupos amadores a necessidade de romper com os modelinhos da tradição infantil: as pessoas ficavam boquiabertas, sem saber de que ele estava falando; todos tinham medo de chocar as crianças ou de afastar os pais. Hoje, acho, estamos já bem menos carolas, com menos pudores. Erramos mais, o que é uma conquista." Marcos Ferraz, co-autor de Sessão da Tarde: "O atual panorama do teatro infantil é animador. Porém, percebo que, apesar das boas produções, ainda há poucos espaços e horários dedicados ao teatro jovem. Isso, a meu ver, dificulta a formação de um público dessa faixa etária. Em qual setor das revistas e cadernos de cultura os meninos e meninas de 15, 16 ou 17 anos acham a peça que lhes interessa? No infantil ou no adulto? Acho que essa é uma boa causa para uma nova luta." Pamela Duncan, diretora de A Menina Que Descobriu a Noite e Sonhei com Charles Chaplin: "Faz uns anos, os grupos só podiam se apresentar em teatros em curtas temporadas ou em espetáculos para escolas. Hoje, mais espaços abriram suas portas, inclusive com espetáculos gratuitos. É o caso o Sesi e dos Sescs, criando um circuito que engloba pais e filhos no lazer de final de semana.Criou-se a necessidade de ter critério sobre o que o menor e seu acompanhante assistirão. Criou-se também, neste público, um aprendizado de linguagens estilos: circo, bonecos, marionetes, mímica, musicais.As crianças e seus acompanhantes começaram a comparar, a escolher. Então, também esse leque se abriu para os pais, que só preferiam levar os filhos para ver os clássicos, como Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Pinóquio - e começaram a prestigiar outras linguagens e propostas temáticas. Os próprios artistas tiveram de olhar para suas produções e refletir, buscando novas formas de produção, pesquisa e linguagens para melhor encantar ao público ávido por novidades e qualidade. A multiplicação das produções levou instituições como Cooperativa Paulista de Teatro, o Sesi e o Sesc a repensar o teatro infanto-juvenil e começaram aparecer os curadores específicos da área, aumentando o conhecimento da própria linguagem infantil. Estes coordenadores e técnicos deixaram de apenas preencher um horário e, sim, pensar no que, como, onde,com quem e para quem estaria destinado aquele espetáculo escolhido." Gabriel Guimard, ator, autor e diretor de A Palavra Encantada: "É notório que a qualidade da produção de teatro para crianças melhorou muito na cidade de São Paulo, mas é necessário que as frentes abertas por todos aqueles que têm trabalhado de uma forma ou de outra em prol da excelência do teatro para infância e juventude, e das artes em geral para as crianças, sejam multiplicadas. O momento é de união, de mobilização e reflexão para a consolidação de políticas culturais locais e nacionais para esse segmento."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.