Soma de linguagens

De Apichatpong a Godard, cinema participa do evento com grandes artistas

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Em edições anteriores, a Bienal de São Paulo já prestigiou a obra de artistas multimídias, mas nunca como neste ano teve tantos cineastas ilustres, reconhecidos entre os maiores autores do mundo, propondo instalações que somam e até confrontam linguagens.Pela proximidade do prêmio, o mais falado talvez seja o tailandês Apichatpong Weerasethakul, que em maio ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes com seu Uncle Bonmee Who Can Recall His Past Lives. O filme vencedor da Croisette, por sinal, baseia-se numa instalação que o próprio Apichatpong havia feito em Londres e Paris. Considerado hermético e até confuso, o poético filme baseia-se na suposição de que o Tio Bonmee possa se lembrar de suas reencarnações passadas. O protagonista diz que os fantasmas não costumam se prender a lugares e sim, a pessoas e animais. Mas no curta de 10 minutos que Apichatpong está trazendo para São Paulo - Fantasmas de Nabua -, o lugar é que está assombrado.Fantasmas mostra arruaceiros que jogam futebol com uma bola de fogo nas ruas de Nabua, província que, nos anos 1960, sofreu violenta repressão do governo para eliminar comunistas e outros radicais. O tema político percorre a obra cifrada do diretor. Em Cannes, ao agradecer sua Palma de Ouro, ele disse esperar que o prêmio ajudasse a pacificar a Tailândia, dividida por conflitos políticos. O próprio tema da reencarnação, segundo o diretor, participa desse movimento em prol da vida.A política também anima a obra dos outros cineastas presentes na 29.ª Bienal de São Paulo. Jean-Luc Godard, o grande revolucionário da linguagem nos anos 1960 - e desde então -, está trazendo Welcome Sarajevo, Ave Sarajevo, instalação em vídeo que parece sair de um de seus maiores filmes nos últimos tempos, Nossa Música. A belga Chantal Akerman, influenciada pelo cinema experimental de Jonas Mekas e Michael Snow, radicaliza em From the East, com sua viagem pelo antigo Leste Europeu. A época escolhida - o fim do verão e o início do inverno, atravessando o outono - revela muito sobre o que ela quer dizer sobre as condições de vida nestes países.O inglês Steve McQueen, homônimo do astro de Hollywood, poderia estar trazendo sua série de selos Queen and Country - dedicada aos soldados ingleses que morreram no Iraque -, mas preferiu outra provocação. A videoinstalação Static propõe uma intervenção na Estátua da Liberdade - e em sua famosa tocha que representa o tema - justamente para que o engajado McQueen possa criticar as instituições - e o papel do Estado e da política - no mundo contemporâneo.Talvez conectado com a proposta de McQueen, o alemão Harun Farocki usa videogame do Exército para treinar soldados como motivação para Jogos Sérios. Em seus trabalhos, o artista tem proposto uma espécie de memória da guerra para discutir a violência do mundo contemporâneo e a indiferença de quem não está sofrendo pela dor do outro. Essa memória se torna completamente virtual em Jogos Sérios, o que, de certa forma, libera o observador para encará-la como simples diversão. E há o português Pedro Costa, conhecido como cineasta dos pobres em seu país e cuja instalação usa o digital para refletir sobre a marginalização social, na Europa e no mundo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.