Todos decidiram que o Valter precisava se casar. Família, amigos, todos. O Valter era um bom sujeito. Mas já tinha mais de quarenta anos e estava em vias de se tornar um “solteirão”, com tudo que a palavra significava. Um “solteirão” era alguém que passava pela vida sem provar as delicias de ter uma mulher só pra ele e uma família. Quando não havia, claro, a possibilidade de ser gay. Mas tudo bem, concordavam todos. O Valter podia se casar com outro homem. O importante era que não continuasse solteiro. O importante era que se casasse.
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Familia e amigos puseram-se a campo para encontrar uma mulher para o Valter. Quem mais se preocupava com o fato de ele não ser casado era sua irmã, Valkiria (casada com o Ferreirnha, que, diziam, tinha uma noiva em cada bairro da cidade e gastava uma fortuna só em transporte).
- Eu estou satisfeito assim, Val – dizia Valter..
- Eu sei. Mas não é, não é...
- O que, Val?
- Normal.
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Um dia, Valkiria anunciou que iria apresentar Valter a alguém muito especial. ,
- Vocês vão se dar muito bem. Têm muitas coisas em comum.
- O que, por exemplo?
- Ela também gosta de cinema. Eu acho. E teatro. Adora teatro.
- Eu não gosto de teatro.
- Não sei se ela gosta de teatro, mas é uma pessoa interessantíssima. Tem renda própria e não é feia. Quer saber o nome dela?
- Não.
- Verônica. Não é bonito? Verônica. Vocês vão se dar muito bem.
- Por que você acha isso, Val?
- Porque numa coisa vocês são iguais. Os dois são solteiros.
O que os dois tinham mesmo em comum era que Verônica também vivia pressionada por familiares e amigos para se casar.
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No primeiro encontro, Valtr e Veronica concordaram. Se casariam. Sem namoro, sem noivado, sem se conhecerem bem e sem demora. Desde que algumas coisas ficassem acertadas.
- Eu leio jornal na cama e durmo só de camiseta.
- Antes de tomar uma xícara de café de manhã, não falo com ninguém. Só rosno.
- Tenho horror de sol, de miúdos, de cheiro de incenso e de pagode.
- Você raspa a manteiga ou tira pedaço?
- Tiro pedaço. Você?
- Raspo. E enrolo o tubo de pasta de dente.
- Eu não enrolo, mas não tenho preconceito.
- Uma coisa: o controle remoto da televisão fica comigo.
- A não ser quando tiver futebol.
- Combinado.
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Casaram-se, numa cerimônia simples na casa da Valkiria, que estava radiante. E, é claro, divorciaram-se pouco tempo depois da lua de mel em Porto Seguro. Valter contou para a irmã que simplesmente não dera certo. Os dois tinham hábitos muito arraigados. Hábitos de solteiros. Tinham tentado, mas... Valkíria, para sua surpresa, compreendeu. Disse que hoje em dia é normal ser divorciado. E que ninguém chamaria um divorciado de “solteirão”.
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E Valkiria contou ao irmão que ela mesma só não era divorciada porque o Pereirinha
dizia que acreditava demais na santidade do casamento e não aceitava.