27 de abril de 2011 | 00h00
Muito já se disse e escreveu a respeito das peculiaridades da juventude de Brasília. Para além das anomalias da vida contemporânea - quebra de valores, rebeldia sem causa, desprezo pela alta cultura e pela memória do País -, acumula outras, derivadas das singularidades da própria cidade: artificial, sem raízes, que repele o convívio interclasses e estimula o consumismo e o egocentrismo.
Os Sinais Impossíveis, de Vinícius Castro, mergulha fundo nesse ambiente de niilismo e perplexidade, característico da juventude de um modo geral, mas da candanga em particular. Brasiliense ele próprio, Vinícius fala do que conhece - e aparentemente do que padece, já que tem apenas 22 anos e estuda Direito na Universidade de Brasília.
Não é descabido supor que, nesse seu romance de estreia, fala de si mesmo. E acerta a mão ao seguir a regra básica de quem postula ser compreendido fora de seu quintal: exibe suas entranhas. O cenário são as superquadras concebidas pelo plano urbanístico de Lúcio Costa, emoldurado pela arquitetura monótona dos edifícios-caixotes de seis andares, concebidos por Niemeyer.
Nele, habita uma juventude de classe média, que não sabe que conteúdo dar ao sentimento de rebeldia que lhe é inerente. A monotonia começa na própria paisagem do Plano Piloto e adjacências, mas não se esgota nela. Permeia e impulsiona tudo. Cidade hostil a pedestres, concentra em ambientes fechados sua vida social, segmentada em classes e faixas etárias.
Encharcados de tecnologia, esses jovens passam horas e horas à frente do computador, em blogs e sites de relacionamento social, que estimulam o autismo familiar, um dos fatores de desajuste, despercebidos de pais e de filhos.
No livro, que intercala a voz do autor-narrador com textos dos personagens nas redes sociais, as menções a esses espaços digitais são constantes, o que exige um glossário para leitores mais maduros.
Os personagens vivem o tédio existencial de quem tem tudo e, apesar disso (ou por isso mesmo), sente carência de tudo. Bebem, usam drogas, banalizam o sexo e continuam a achar a vida chata e vazia, que é de fato como ela resulta.
Não há diálogo com os pais, de quem falam sem qualquer resíduo de afeto. Muito ao contrário: são eles, os pais, a primeira referência negativa de autoridade, numa cidade povoada de políticos, que a acabam estigmatizando perante o resto do País, muito embora a maioria nem more lá e a frequente pela ponte aérea.
A vizinhança com o poder acaba levando esses jovens a rejeitá-lo com a mais radical das posturas: a alienação. Não há metas, planos, ideologias. A vida acontece nos encontros na universidade, nas festinhas e nos apartamentos, onde rola de tudo: sexo, drogas e rock. As referências culturais brotam dos filmes, da televisão, da música popular e de raras leituras da cultura pop.
Isso explica anomalias como a de um personagem incidental, de nome Carlão, que, não obstante cursar o sexto ano de História, destaca como sua principal glória pichar os muros da cidade.
Em meio a esse ambiente, carente de ação externa e carregada de descrições impressionistas, se desenrola um romance entre os protagonistas Luísa e João. Não há romantismo, lirismo ou mesmo sensualidade. É um encontro entre pessoas sem rumo, que se perdem em digressões existencialistas, pontuadas pela gíria local.
A internet é a válvula de escape, por onde João faz considerações filosóficas a respeito da vida e de suas frustrações, do encontro à perda da namorada, que se muda para São Paulo. Fala para todos e para ninguém, na rede invisível dos computadores.
O romance vale como um painel sociológico da juventude brasiliense atual, desaparelhada emocional e culturalmente para entender e se ajustar à realidade complexa em que habita. Vinícius de Castro soube traçá-lo com a autoridade de quem dele faz parte, mas que conseguiu enxergá-lo de fora.
OS SINAIS IMPOSSÍVEIS
Autor: Vinícius Castro
Editora: Geração Editorial (304 págs., R$ 44,90)
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