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Sokúrov do cerrado? Não, o eclipse do gênero humano

Por Crítica: Luiz Carlos Merten
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Grandes diretores brasileiros de teatro volta e meia se exercitam no cinema, na maioria das vezes experiências únicas, só para testar a mídia. Moacyr Góes é a exceção, mas se exercitou principalmente no cinema comercial e não ganhou crédito junto à crítica. Felipe Hirsch tenta o cinema autoral. E divide o crédito da direção com Daniela Thomas, que começou no projeto como diretora de arte, mas foi contribuindo cada vez mais, a ponto de se tornar imprescindível.Os dois têm sido parceiros constantes. Agora mesmo, estreiam nova peça, com o sugestivo título de Cinema. No caso de Insolação, Hirsch filmou mais, Daniela montou mais e assim dividiram as funções, eles contam na entrevista ao lado. Insolação já foi comparado a Alexander Sokúrov, um Sokúrov do cerrado. O filme trata da nostalgia do amor inalcançável numa cidade fantasma. Brasília é impressionante fotografada em preto e branco. Hirsch e Daniela esvaziam a cidade do seu elemento humano. Mais do que Sokúrov, a fonte talvez tenha sido Michelangelo Antonioni, O Eclipse.O eclipse do gênero humano, expresso em meia dúzia de personagens - o garoto que se inicia nos mistérios do amor, a garota ninfomaníaca, a jovenzinha, qual Lolita, o casal e o narrador. Os personagens, que atendem por nomes um tanto estranhos - Vladimir, Andrei, Zoyka -, recitam/teatralizam suas falas sem lograr comunicação. O tom é desesperançado. O amor buscado é inalcançável. A perda é inevitável. A estética pode ser a salvação e os caminhos passam pelo quiosque, onde as pessoas param mas não se reconhecem. O interessante do quiosque é que se trata quase de uma criação cenográfica de Daniela (leia ao lado). No conceito do filme, ele é (Yasujiro) Ozu, o mestre do minimalismo japonês.Felipe Hirsch tem montado peças em que a palavra, o Verbo, expressa o mal-estar contemporâneo. Na Educação Sentimental do Vampiro, em Não sobre o Amor, ele ama o ator e busca sempre o impacto cenográfico. Veio de Daniela Thomas a ideia de filmar em Brasília e o cenário, aqui, é decisivo. O filme merece respeito, mas não toca nem emociona. É teatral, mas não porque o diretor não tenha sabido disfarçar sua origem. Teatro, filosofia e literatura alimentam a visão de mundo de Felipe Hirsch. Os textos são ditos teatralmente, como se os atores declamassem suas falas. Paulo José e Simone Spoladore, embora pertencentes a gerações diversas, são bichos de cinema. Nem eles humanizam seus personagens. Insolação é um filme - duro, difícil, alguns dirão pretensioso - que se vê "de fora".

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