
21 de julho de 2013 | 02h18
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Mas essas interpretações não cobrem todos os significados de "humanismo". A própria história do humanismo é discutível. Sua origem seria na Renascença, quando as trevas da Idade Média retrocederam diante da redescoberta do mundo clássico e não só as pinturas e esculturas de Michelangelo, Leonardo e os outros glorificaram o corpo humano redescoberto como a glória da Grécia antiga, berço da democracia e da filosofia, também voltou à luz do dia depois da noite medieval. Mas a arte da Renascença foi toda feita em louvor e com o subsídio da Igreja, seus temas predominantes eram os santos, os mártires e os mitos da Igreja e dificilmente se encontraria um humanista, mesmo camuflado, entre os seus praticantes. E antes de se exaltar a Grécia antiga como um ideal de virtudes cívicas e civilização é bom não esquecer que aquela era uma sociedade escravocrata, também um mau exemplo de humanismo.
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O humanismo autêntico seria então um subproduto do Iluminismo do século 18, e sua origem estaria no pensamento iconoclasta de alguns magníficos hereges como Voltaire, Diderot, Descartes, aquela turma. Mas até hoje se debate a ligação direta entre o Iluminismo e o terror que se seguiu à revolução francesa, e se a idade da razão não gerou um monstro em vez de uma sociedade iluminada. O mesmo se pode dizer de Marx e dos outros filósofos dedicados a mudar o mundo e a História em vez de apenas entendê-los, e cuja generosa proposta de igualdade e fraternidade universal desaguou no totalitarismo e no terror stalinista.
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O escritor e satirista Karl Kraus, talvez o mais vienense de todos os vienenses, escreveu certa vez que na Áustria, nos estertores do império austro-húngaro, estava acontecendo um ensaio do fim do mundo. Na verdade, o que tomava forma em Viena no começo do século 20 era um novo mundo. O colapso do império dos Habsburgo coincidiu com duas novidades de certa forma opostas no espírito europeu e na História: o fascismo e a psicanálise. Dizem que a História do mundo teria sido outra se Hitler tivesse se tratado com seu contemporâneo e conterrâneo Freud, mas, infelizmente, o encontro nunca se deu. Freud era um humanista, mas assim como suas teorias sobre patologia e neuroses coletivas nada fizeram para deter o pesadelo nazista que se iniciava, suas descobertas sobre o inconsciente humano em nada ajudaram o humanismo. Pois o que ele dizia era que o ser humano não devia sua existência e seu destino à interferência divina, mas era regido por forças imateriais, quase que por uma metafísica interna, que desconhecia tanto quanto desconhecia os desígnios de Deus. O ser humano não era a medida de todas as coisas. O ser humano, seus recônditos obscuros e os mistérios do seu ego eram a medida de todas as coisas.
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O que significa ser um humanista, hoje? Ao contrário dos canibais, que sabem do que gostam, não temos muita certeza que a humanidade nos apeteça, depois de tudo o que ela aprontou. Continuamos preferindo a lógica e a razão a qualquer tipo de superstição ou pensamento mágico, mas com a consciência de que cada vez mais humanos preferem o contrário. A divisão entre ricos e pobres aumenta, uma superprodução de alimentos convive com a fome endêmica no mesmo planeta há anos, a intransigência e o fanatismo religioso conflagram regiões inteiras - tudo prova que o humanismo está longe das sedes do poder e dos princípios da maioria. E muito longe de ser uma doutrina viável, ou mesmo um sonho para um outro tempo.
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A solução talvez seja o humanismo se reconciliar com a metafísica e pedir ajuda à providência divina, para não desaparecer.
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