Silvio de Abreu mira o homem assustado

Mestre em criar mulheres fortes, o autor da próxima novela das sete da Globo quer retratar o homem contemporâneo, assustado com as conquistas femininas

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O novelista Silvio de Abreu é um defensor declarado das mulheres. "Todas as novelas que fiz foram favoráveis a elas", diz o criador de personagens femininas inesquecíveis como Maria do Carmo (Regina Duarte), de Rainha da Sucata, e Charlô (Fernanda Montenegro), de Guerra dos Sexos. Mais de 20 anos depois de escrever sua primeira história para a Globo, Silvio começa a se interessar profissionalmente pela personalidade masculina. "Diante das conquistas da mulher, o homem começou a se questionar e isso o tornou mais interessante. Antes ele era o rei; reis mandam, não questionam, não é?" Na novela A Incrível Batalha das Filhas da Mãe nos Jardins do Éden, que está escrevendo para substituir Um Anjo Caiu do Céu (19h), o escritor vai explorar, com bom e escrachado humor, os conflitos do homem contemporâneo "completamente perdido" diante das conquistas femininas. Os desencontros entre homens e mulheres não são uma novidade em sua obra - quem não se lembra das batalhas divertidas de Guerra dos Sexos, de 1983, uma das novelas de maior Ibope na história da tevê brasileira? Nessa entrevista, Silvio comenta, divertido, a interminável disputa entre os sexos, comemora o advento de uma cultura "pansexual" e adianta como será a novela que está escrevendo: Agência Estado - "As Filhas da Mãe" são um novo round da "Guerra dos Sexos"? Silvio de Abreu: Quando fiz Guerra dos Sexos a mulher brigava por mais espaço dentro da sociedade e o homem não queria ceder de maneira nenhuma. Em Filhas da Mãe o homem assiste à mulher ocupando cada vez mais lugar e não sabe o que fazer. Hoje ela já é cabeça de casal e em muitos casos ganha muito mais do que o marido. O homem está perplexo com tudo isso, até mesmo diante da conquista feminina do direito à sexualidade. A sociedade vive hoje quase um pansexualismo, as pessoas têm menos vergonha de se assumirem homossexuais, os tabus caíram. É uma sociedade mais divertida, mais misturada. A novela se propõe justamente a rir desses papéis sexuais. Que personagens de "Filhas da Mãe" retratam o homem em crise? Posso citar o do Diogo Vilela como um exemplo. Ele vai interpretar um ator que não tem sucesso, casado com uma executiva poderosa, vivida pela Virgínia Cavendish, que o sustenta enquanto ele toma conta da casa. Ele não fica muito confortável com essa situação. Tem também o Reynaldo Gianecchini no papel de um modelo que quer ser ator mas não tem jeito para isso. Ele então vive um relacionamento com uma atriz de talento na qual se apóia para aprender. Essa mulher será a Claudia Jimenez. Esse romance evidencia bem que hoje o homem não procura só uma mulher bonita para levar para a cama, mas também uma pessoa inteligente com quem possa conversar. Essa é outra conquista feminina: ser amante e melhor amiga de seu companheiro. O Reynaldo Gianecchini recebeu algumas críticas por sua atuação em "Laços de Família". O papel dele em "As Filhas da Mãe" seria uma referência à história real, a de um modelo que tenta ser ator e não se sai muito bem? Propus a ele que risse de si mesmo. Aquele artista que se leva profundamente a sério e não se permite uma visão crítica vira um chato. O Gianecchini vai brincar com as deficiências que provavelmente tem como ator. Na verdade nem sei quais são. Eu o achava ótimo em Laços de Família; uma pessoa carismática, bonita, um profissional extremamente dedicado ao que faz, muito disciplinado. Ele tem tudo isso e ainda o bom humor de rir de si mesmo. Acredito que esteja num ótimo caminho. A novela vai mostrar o homem em crise... E a mulher? Como será retratada? A mulher hoje está menos ranzinza, não é mais aquela constantemente de pé atrás, do tipo que não deixa nem mesmo que ultrapassem o carro dela no trânsito. É uma mulher empreendedora mas serena, porque seus direitos já foram conquistados. A trama principal da novela gira em torno de três irmãs que brigam pelo controle do resort da mãe, a Fernanda Montenegro. Essa disputa faz referência à luta da mulher pelo seu lugar. O pai quer que elas cedam aos planos dele, mas as garotas não aceitam. A mãe, a Fernanda, precisou ceder no passado. Ela abandonou os filhos para ter uma carreira. Foi para o exterior porque o marido não permitia que ela trabalhasse. A novela começa com essa mulher em Hollywood, ganhando seu oitavo Oscar como art designer. Nisso está implícito uma brincadeira com o fato da Fernanda não ter recebido aquele Oscar (risos). Na novela ela ganha oito, ninguém ganhou mais Oscars do que a Fernanda! Você ficou três anos sem escrever para a tevê. Seus últimos trabalhos - "Torre de Babel", "A Próxima Vítima" - foram mais dramáticos. Por que retomar agora o humor? Eu trabalhei com humor por 10 anos e me cansei. Aí investi no policial, no drama, mas sem abandonar totalmente a comédia. Percebi que você não precisa abrir mão de nada, pode ir somando coisas. Todas as minhas marcas estarão nessa nova novela: diálogos engraçados, a torta na cara, as citações cinematográficas, o policial de forma mais leve, é claro. Eu percebi que vinha me levando muito a sério. Eu criei para mim um personagem infalível, um cara que não se permite errar. Hoje estou com vontade de relaxar no trabalho, de curtir, não quero mais nas minhas costas a obrigação de ser um enorme sucesso só porque sempre fui. Eu já não estava mais gostando tanto de fazer o que faço, estava me neurotizando profissionalmente, focando só o resultado e de certa forma perdendo a espontaneidade. Foi por isso que parei. Voltei a fazer análise e descobri isso tudo. Retratar a cidade de São Paulo também é outra marca sua. Essa também será mantida? Claro! Com exceção de minha primeira novela, Pecado Rasgado - que, ironicamente, não foi muito bem sucedida (risos) -, todas as outras se passaram em São Paulo. Meus personagens são paulistanos - é esse o povo que conheço e sei retratar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.