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Sigmund Freud em letra e música

Em lançamento, Caetano e Wisnik veem vestígios do austríaco na cultura

Por Raquel Cozer
Atualização:

"Bem, Freud não gostava de música", lembrou Caetano Veloso ao se acomodar sobre o banco que lhe fora reservado no palco do Sesc Pinheiros, na terça-feira. Referia-se à notória resistência do fundador da psicanálise ao gênero que ele estava incumbido de representar no evento Freud, Literatura e Canção. A aula-show, comandada por José Miguel Wisnik, anunciou o lançamento dos três primeiros volumes das Obras Completas de Freud, vertidas pelo historiador baiano Paulo César de Souza e publicadas agora pela Companhia das Letras.Despojado, num visual que incluía casaco de vovô sobre os ombros e a camisa polo verde ? que, aliás, ele também usou em setembro sobre o mesmo palco, no show Gainsbourg Imperial ?, Caetano fez uma concessão ao pesquisador, de quem é amigo de longa data, e incluiu em seu breve repertório uma música da qual não gosta. Ou, para usar as palavras dele, uma canção da qual "até tinha grilo". Era Mãe, cuja letra diz "Eu sou um homem tão sozinho/ mas brilhas no que sou..." e que Gal Costa gravou no álbum Água Viva (1978). Encerrou a noite com ela, sem entrar em detalhes freudianos do "grilo" ou da letra.As outras canções foram intercaladas por explicações sobre de que maneira se relacionavam aos conceitos freudianos. Como Pecado Original, cujo verso final ("Mas a gente nunca sabe mesmo/ que que quer uma mulher") levou Nelson Rodrigues a ligar para Caetano nos anos 70 e dizer: "Você há de brilhar como o Sol até o fim dos tempos." O músico disse que, na época, contou sobre o telefonema para seu psicanalista, que ponderou: "É, você botou a frase do Freud [NA MÚSICA][NA MÚSICA]...". Sob risos do público, o baiano arrematou: "Eu não sabia que era de Freud. Ou talvez soubesse de alguma maneira, mas não oficialmente. Não sabia que Freud era quem tinha dito essa obviedade sobre as mulheres."Em sua breve participação, Caetano interpretou ainda, com Wisnik ao piano, Coração Materno, de Vicente Celestino, e uma música de Wisnik sobre poema do satírico Gregório de Matos (1636-1696), composta para o Grupo Corpo.Chistes. O baiano Gregório de Mattos foi, na primeira e mais extensa parte da noite, um dos nomes citados por Wisnik para exemplificar como a literatura sempre guardou mensagens que remetem à psicanálise. O paranaense Emílio de Meneses (1866-1918) foi outro lembrado, graças a seus chistes cheios de sentidos como "Nunca tinha visto um banco quebrar por excesso de fundos" ? que teria sido dito após o poeta ver um banco ir abaixo com o peso de uma mulher gorda sobre ele.Wisnik discorreu longamente sobre Machado de Assis, destacando o pouco conhecido conto O Cônego ou a Metafísica do Estilo (1885). Nele, em meio à criação de um sermão, um padre "embatuca" ao não conseguir se lembrar de um adjetivo, o que serve de mote para o narrador convidar o leitor a mergulhar no cérebro do personagem e partir para a inconsciência em busca da palavra.

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