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Shipway e Osesp reverenciam Bruckner

Público da Sala São Paulo assistiu na quinta-feira a rara demonstração de competência

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Por Redação
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Bruckner era profundamente religioso. Construiu seu metiê musical como organista no Mosteiro de Sankt Florian por duas décadas e só imaginava seu trabalho como compositor numa linha de continuidade com Beethoven e Schubert. Leva avante, em seus imensos afrescos orquestrais - nove monumentais sinfonias e outras duas sem numeração -, algumas das principais ideias do Beethoven dos últimos quartetos e sonatas: a ampliação das formas tradicionais, o alongamento de movimentos que mais parecem preces ou meditações. Brahms chamou-as de "jiboias sinfônicas", quem sabe pensando nos enormes adágios de suas sinfonias, sobretudo da oitava. Anteontem, o público da Sala São Paulo pôde compartilhar um raro momento de música grandiosa interpretada não apenas de modo correto, mas com competência e apetite. Foi nos monumentais Adagio e Finale da Oitava Sinfonia de Bruckner que o regente britânico Frank Shipway e os músicos da Osesp demonstraram de modo mais explícito a paixão que os une na prática da música. Uma eletricidade que percorreu o Adagio e permeou-se pelo Finale. É raro, mas Shipway, regendo de cor e com os músicos eletrizados em sua figura, conseguiu afastar o maior perigo quando se conduz um mamute sinfônico como esta Oitava, empilhando episódios de imensos crescendos que, se malfeitos, provocam a sensação de repetição enfadonha. Quando não há a firme concepção arquitetônica da obra como um todo, é grande o risco do tédio no palco e na plateia. Ao contrário, Shipway estabeleceu finas gradações de andamento entre o Adagio, marcado como 'solenemente lento, mas sem arrastar', e o Finale, que leva a indicação 'solene, sem precipitação'. Na coda dos compassos finais, deu-se a epifania que Bruckner tanto buscou em sua obra sinfônica inteira. Ali, ele funde ciclicamente, de modo emocionante, os temas dos quatro andamentos da sinfonia, depois de 80 minutos de música intensa: o tema do Allegro moderato surge nos violoncelos, contrabaixos, trombones, tuba, quarta trompa e fagotes; o do Scherzo nas flautas clarinetas e trompetes; o do Adagio em duas trompas; e o do Finale na terceira trompa. A regência de Shipway provocou outro momento raro: entusiasmadíssimos, os músicos da Osesp, ainda imantados pela performance excepcional que conquistaram na Oitava, aplaudiram o maestro não apenas batendo os pés ou os arcos nos instrumentos de cordas, mas batendo palmas com as mãos, como o público de pé. Não estive nos concertos da semana passada, também comandados por ele, mas soube que o mesmo aconteceu. Sem dúvida, a relação entre Shipway e a Osesp é um caso de amor definitivo, reafirmado na prática musical de excelência sempre que ele nos visita. Que Shipway volte muitas vezes. CríticaJoão Marcos CoelhoJJJJ ÓTIMOJJJJJ EXCELENTE

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