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Série ameaça reinado de Harry Potter

Por Agencia Estado
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A cena tornou-se famosa e é sempre aguardada pela platéia recheada de adolescentes: um homem de olhar juvenil, vestindo terno escuro e gravata listrada, entra apressado na livraria e, diante daquela pequena multidão, desculpa-se: Infelizmente, o escritor Lemony Snicket não poderá vir ao debate de hoje, pois ainda se recupera da picada desse inseto (ele abre uma caixinha e exibe um besouro negro) que sofreu na axila, no piquenique de ontem. Enquanto os jovens riem, ele continua: Assim, como representante literário legal e social do senhor Snicket, venho aqui para lhes transmitir sua mensagem. O homem, que se apresenta como Daniel Handler, passa então a tratar do assunto que atraiu para aquela livraria americana dezenas de meninos e meninas com idade variando dos 11 aos 14 anos: a coleção Desventuras em Série, cujos oito volumes já editados nos Estados Unidos venderam mais de 4 milhões de exemplares. E sete deles conseguiram a proeza de se manter simultaneamente na lista de infantis mais lidos do jornal The New York Times. No Brasil, a coleção é lançada pela Companhia das Letras e o volume mais recente, o quinto, Inferno no Colégio Interno (208 páginas, R$ 24,50), chegou recentemente às livrarias. Lemony Snicket, na verdade, não existe - é o pseudônimo (ou alter-ego) de Handler, um sujeito de 32 anos com aparência típica dos freqüentadores das mais tradicionais universidades (o nome que escolheu para assinar os livros lembra vagamente uma procedência britânica) e que chegou ao mercado editorial no fim de 1999, momento em que o fenômeno Harry Potter atraía praticamente todo par de olhos com menos de 14 anos. Handler, porém, surgia na contramão: logo de cara, alertava os leitores de que o livro que tinham nas mãos era bastante desagradável, pois conta a infeliz história de três crianças muito sem sorte. Harry Potter também não era feliz com a família postiça que o abrigava, mas, ao se descobrir dono de poderes especiais, foi transportado para um mundo paralelo onde praticamente tudo se resolvia com uma varinha e um punhado de palavras mágicas. Já os irmãos Baudelaire, os principais personagens da coleção Desventuras em Série, não são nada afortunados. O próprio autor observa que, na classificação das pessoas mais infelizes do mundo - e você sabe que elas não são poucas -, os irmãos Baudelaire ocupam sem dúvida o primeiro lugar. Logo de cara, eles perdem os pais em um incêndio. E, o que parecia um consolo, a herança de uma fortuna, transforma-se em um pesado fardo. Violet, Klaus e Sunny Baudelaire só poderão dispor do dinheiro quando o primeiro atingir a maioridade. Mas Violet tem 14 anos, Klaus apenas 12 e Sunny não passa de um bebê. Assim, os irmãos são obrigados a viver sob a guarda de tutores, que pouco se preocupam em trazer algum conforto. Isso os obriga a passar invernos à base de sopas frias, trabalhar em serrarias e ainda morar em um casa infestada de caranguejos. Não bastassem esses problemas, os Baudelaires são ainda perseguidos pelo maléfico conde Olaf, cujo único interesse é usurpar o dinheiro reservado para as crianças. Por isso, meus amiguinhos, continua Handler, substituindo Snicket na reunião com os leitores que se amontoam naquela livraria americana, não leiam esses livros, pois só contam uma triste história. As crianças adoram e obviamente não seguem o conselho, aumentando as vendas da coleção à medida que chega ao seu final - estão previstos 13 volumes, mas nada impede uma prorrogação se o apetite dos leitores não for saciado. Handler, que evita ser fotografado desde que atingiu o sucesso (ele prefere não ser identificado como autor das histórias, mas como representante de Lemony Snicket), diverte-se com esses encontros mercadológicos promovidos por sua editora. Aos poucos, as crianças imaginam que eu sou alguém fingindo ser alguém que também finge ser outro alguém, afirma, gargalhando.

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