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Sergio Rodrigues, o inventor do móvel brasileiro

"O talento estético de Sergio Rodrigues veio ao encontro do meu bom senso e exigência de conforto. Na Poltrona Mole não me sentei. Deitei e rolei", escreve Millôr no livro Sergio Rodrigues que chega às livrarias este mês sobre a obra do arquiteto e designer de móveis

Por Agencia Estado
Atualização:

O livro Sergio Rodrigues não é um livro apenas biográfico, nem tem a intenção de ser apenas uma tese sobre a obra de um dos grandes mestres do mobiliário brasileiro. A publicação, lançada pelo Banco Icatu e que deve chegar às livrarias este mês, é composta de múltiplos olhares, que se aproximam de maneira afetiva da obra de Rodrigues. Logo na abertura, um texto de Millôr Fernandes conta uma ligeira e saborosa história sobre ele, dedicando especial atenção à família Rodrigues (Sergio é filho de Roberto, o irmão mais velho de Nélson Rodrigues, que morreu aos 23 anos de idade) e à Poltrona Mole, uma casual criação que acabou ganhando um grande prêmio no exterior, com o nome artístico de Sheriff (mais adequado a sua carreira internacional), tornando-se uma das poltronas mais copiadas do mundo. "O talento estético de Sergio Rodrigues veio ao encontro do meu bom senso e exigência de conforto e, inesperadamente, empurrou embaixo de mim a já citada Poltrona Mole. Onde não me sentei. Deitei e rolei", escreve Millor sobre o móvel mais consagrado de Rodrigues. Mas não só dele é feita sua obra. Ao longo de quase 50 anos de criação, ele realizou mais de mil peças de mobiliário, além de ter feito importantes incursões no campo da arquitetura e procurado construir sólidas bases comerciais e industriais, sobre as quais seria possível erguer um projeto mais amplo de produção de um móvel moderno de características nacionais. Essa longa e curiosa história é destrinchada no texto da filósofa e pesquisadora Maria Cecília Loschiavo dos Santos, que constitui a coluna vertebral de Sergio Rodrigues. Sua escolha para assinar o texto central do livro coube ao próprio arquiteto (Rodrigues prefere este termo a designer, que, segundo ele, é atribuído a quem desenha qualquer tipo de coisa, de escova de dente a automóvel, enquanto no seu caso há uma dedicação exclusiva aos móveis). Os dois se conheceram em 1980, quando Maria Cecília entrevistou-o para sua tese de mestrado; planejavam fazer um livro sobre sua obra há muito tempo. É uma versão ampliada e revista do capítulo dedicado a Rodrigues no trabalho apresentado em 1993 e reproduzido no livro. Soraia Cals, que organizou a obra; Paulo Affonso Agapito da Veiga, que fotografou os trabalhos; e André Seffrin, que escreveu uma biografia detalhada de Rodrigues, também participaram da empreitada editorial. Além da cuidadosa programação visual e do levantamento minucioso de seu trabalho ao longo de 47 anos, também merece destaque no livro um pequeno mas esclarecedor texto em que Rodrigues fala de sua história. E revela um olhar aguçado para o que sempre lhe interessou: o ambiente à sua volta. Um dos aspectos mais surpreendentes de sua trajetória foi a capacidade de construir uma carreira bem sucedida apesar da sucessão de fracassos que o perseguiram. Desde seu primeiro grande projeto arquitetônico - o Centro Cívico de Curitiba, que deveria ser o mais alto prédio em concreto armado do mundo, com 33 andares, e acabou tendo apenas 10 pavimentos - até as várias tentativas de produzir um móvel bom, confortável e barato, ele sempre enfrentou dificuldades de ordem administrativa e financeira. Percalços - "Comecei com a loja em Curitiba (a Móvel Artesanal Paranaense, criada em 1953), que vivia cheia como se tivesse vernissages diárias, mas seis meses depois tinha vendido apenas um sofá, e por um décimo do preço porque me confundi na hora", conta. Hoje quem cuida dos negócios é sua segunda mulher Vera Beatriz, com quem casou-se em 1973, após um reencontro que não deixa nada a dever aos romances açucarados. A viuvez de ambos e o papel de cupido desempenhado por alguns amigos permitiu que a paixão juvenil fosse retomada. Evidentemente, se houvesse no País uma infra-estrutura adequada para o desenvolvimento de um design nacional isso não ocorreria, mas Rodrigues recusa-se a atribuir às conjunturas econômica e política a causa de suas atribulações. "A França demorou 2 mil anos para construir alguma coisa, enquanto nós só começamos a produzir nos últimos 50 anos", diz ele, com um otimismo desmesurado. Isso não o impede de sonhar com o que poderia ter sido. Desde o início, seu sonho era ter um laboratório de criação com dois ou três funcionários de alto nível que hoje poderia ter se transformado num importante pólo de desenvolvimento técnico e criativo. Foi o que tentou na Oca, criada em 1955. "Em sua loja da praça General Osório 14, Sergio antecipou o projeto cultural efervescente dos anos 60, a própria luta por uma arte autenticamente nacional e de contestação", escreve Maria Cecília, reforçando que até a escolha do nome não foi casual. Além de reforçar o caráter coletivo da empreitada, Oca remete às raízes indígenas nacionais. Há em sua produção daquele período uma evidente influência da escola modernista, mas também um encontro entre o Brasil industrial de Juscelino Kubitschek com as raízes indígenas e o descompromisso da malemolência carioca. A solução encontrada por ele foi, segundo a pesquisadora, "deixar falar a grossura e a robustez da madeira brasileira". "É neste ponto que reside a arte de Sergio, iluminando a matéria-prima com sua imaginação." Paixões - E, no caso de Rodrigues, a matéria-prima é quase tudo. Ele afirma ter duas paixões: a criação e a madeira. Chegou inclusive a criar uma linha de casas pré fabricadas que poderia representar uma interessante alternativa para o mercado imobiliário. Entre 1960 e 1965, espalhou mais de duzentas delas pelo País, mas - de novo - a falta de condições de produzí-las em larga escala pesou, elevando seu custo ao patamar das casas de alvenaria. O fato de suas obras só serem acessíveis a poucos sempre incomodou o arquiteto (o fotógrafo Otto, que inspirou a Poltrona Mole ao lhe encomendar um sofá confortável para seu estúdio, jamais pôde adquirir nem o sofá nem a cadeira premiada). Em 1963, chegou a criar a Meia Pataca para produzir móveis industriais e econômicos, que pudessem ser comprados pelos seus amigos. Mas o sonho durou apenas cinco anos. Isso não impediu que ele continuasse fazendo, com seus altos e baixos, o que Maria Cecília chama de "um exercício apaixonado de redescoberta do Brasil".

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