Sérgio Reis fala sobre a atuação na novela Bicho do Mato

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Por Agencia Estado
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Aos 66 anos, Sérgio Reis, o homem da metrópole que inverteu a lógica e deixou a música transformá-lo em sertanejo, vira moda de novo. Ele está na novela Bicho do Mato, da Record, e já planeja a estréia de um novo programa. Em geral são os homens do campo que criam músicas sertanejas. No seu caso (rapaz da cidade grande, ex-cantor da Jovem Guarda, fã de Elvis Presley) foi a música sertaneja que criou o homem do campo? Foi. O caipira foi feito pela música sertaneja, é verdade. Mas atenção, cuidado. Muita gente acha que eu caí de pára-quedas no sertanejo. Então eu vou mostrar uma coisa a você. (Pede à assessora: ?Vai no fim do corredor, lá no fundo, tem aquela violinha vermelha. Pega ela?). Agora você vai ver o que acontece. Tenho 66 anos, sou de 1940. Em 1950, quando tinha 10, eu era fã de Tonico & Tinoco. Eles tinham o programa Na Beira da Tuia, na Rádio Bandeirantes. Minha mãe era carioca de Laranjeiras, meu pai era de Osasco e eu nasci em Santana. Mas meu pai me deu esta violinha aqui de presente de tanto eu falar em Tonico & Tinoco. Isso é um troféu pra mim. É, mas quando pensou em ser músico, o senhor não pensou em música sertaneja. Pensou em rock. As coisas foram acontecendo devagar. Nem pensei que seria cantor profissional. Eu queria ser neurocirurgião, mas não tinha dinheiro para a faculdade. O que fiz foi ir cantar na noite para ajudar em casa. Quando foi que o senhor virou o cantor Johnny Johnson? Johnny Johnson foi o nome que me deram na época em que participei da Jovem Guarda. Como Johnny, gravei um bolero que se chamava Enganadora. Cantei depois bolero, rock, músicas de Roy Orbison, isso tudo em 78 rotações. E quando Johnny Johnson virou Sérgio Reis? Falando com Palmeira e Ted Vieira, dois homens da gravadora a quem devo minha carreira. Falei que cantava como Johnny e aí começou a discussão: ?Johnny Johnson, ah, isso não é nome?. ?Então posso usar Sérgio Bavini, que é meu nome mesmo?? ?Não, Bavini não dá?. ?Ah, então tem o Reis, que é da minha mãe, Clara Reis?. E aí ficaram repetindo aquilo: ?Sérgio Reis, Sérgio Reis, Sérgio Reis...? E fiquei Sérgio Reis. A Jovem Guarda é um episódio obscuro em sua carreira. Por que as coisas não deram certo, apesar do sucesso de Coração de Papel? Errei. Em vez de guardar minhas músicas pra mim eu dava para os outros gravar. Um erro. E outra coisa: na Jovem Guarda, se você agradava muito, o Roberto Carlos te tirava, viu Roberto Carlos? Ele era muito inteligente mesmo. É isso mesmo? (Muda o tom de voz e engasga) Não, brincadeira. É que ele tinha o grupo dele na Record e nós tínhamos o nosso na TV Excelsior. Quem cantava no nosso programa não cantava no dele e vice-versa. E a mais forte era a Record nessa briga. E a TV Excelsior ficava com a segunda divisão. Ficava. Mas os bons estavam do lado de cá. Sérgio Reis, Eduardo Araújo, Silvinha. Ninguém canta como Silvinha. Aconteceu muita coisa que as pessoas podem não saber. Wilson Simonal, por exemplo, era um cara genial. Fizemos um show juntos em uma terça-feira de Carnaval, em Santos. Maestro Peruzzi, orquestra, eu, Deni e Dino, Vips, Wilson Simonal e Eduardo Araújo. Aconteceu nesta noite algo que nunca vi na vida. As pessoas começaram a gritar ?Si-mo-nal, ?Si-mo-nal!? Tivemos que parar o show para o Simonal fazer o show dele, sendo que ele seria o último. Já viu alguém para um baile de Carnaval só para ouvir um artista? Aprendi com ele a ir colocando músicas novas nos shows para depois as lançar em disco. Mas aí o tempo passou e cada um procurou seu caminho. Como iria saber que daria certo como cantor sertanejo? E veja você: Clara Nunes? Não era sambista, gravou bolero no começo. Luiz Ayrão? Nunca foi sambista. Benito di Paula? Nunca foi sambista. Beth Carvalho? Nunca foi sambista. Eram boleristas. Eles eram sambistas? Não. Eu era sertanejo? Não. Mas talvez tudo já estivesse escrito. O sertanejo era mesmo a verdade do menino de Santana, que colecionava discos de Elvis Presley? Então vou te contar uma história: Tenho fotos antigas de quando era menino, em 1962. Estava na Praia Grande de bermuda, chinelo e chapéu de boiadeiro desses de palha. E eu não usava outro chapéu a não ser esse. Não tinha vergonha nenhuma. Já estava dentro de mim. Se tivesse ficado na Jovem Guarda, como Eduardo Araújo e outros do time da Excelsior, estaria hoje dando entrevistas? Quem sabe? Não sei. Poderia não ter sucesso, não ter tido gravadora, estar cantando na noite cinco horas seguidas e ganhando R$ 50. Fiz isso por muito tempo e sabe quem era meu violonista? O Toquinho. O senhor homenageia muitas cidades em suas músicas. Me lembro até hoje. O Tony Campello, que era meu produtor, sugeriu de gravarmos uma música para cada estado do Brasil. E comecei a fazer. Gravei Chico Mineiro para Minas Gerais, O Rio de Piracicaba para São Paulo, Assum Preto para o Nordeste, Gaúcho de Passo Fundo para o Sul, Chalana para a fronteira, Pé de Cedro para Matogrosso... As gravações foram então uma estratégia de marketing? Foi uma estratégia, mas veja como as estratégias dão errado. Eu pensei que O Rio de Piracicaba fosse fazer sucesso em São Paulo e acabou fazendo sucesso no Rio Grande do Sul porque o ritmo era um vanerão. Gaúcho de Passo Fundo, que pensei que faria sucesso no Sul do País, fez sucesso da Bahia para cima. Ou seja, o senhor não cantava porque tinha uma relação afetiva com as cidades, mas por estratégia. Sim, mas veja bem. Depois de cantar, acabei indo a todas essas cidades e é impressionante como tenho amigos nesses lugares por causa das músicas. O povo julga que você é deles. Eu gostava das músicas e depois passei a gostar do povo, porque fui para lá aprender a cultura in loco. Você viu quantas cuias de chimarrão têm ali? Me pergunta se eu tomo chimarrão. O senhor gravou Menino da Porteira há 33 anos. Dá para cantar esta canção com a mesma emoção? É difícil explicar. Fiz um show em Guarulhos há alguns dias para os caminhoneiros. No final, todo mundo veio para uma cerca para pedir autógrafo. Tinha um caminhoneiro baixinho que me pediu o autógrafo em um disco. Quando dei, o homem começou a pular como uma criança que ganha uma bicicleta no Natal. Ele passava a mão no cabelo, gritava, ficou louco. E aí veio outro, apertou minha mão com força e disse: ?Sérgio Reis, você é patrimônio nosso. Ouço Menino da Porteira e choro porque meu avô ouvia e meu pai tocava. Só não gosto de ouvir no caminhão porque choro e posso até perder a direção?. Aí você vê o que é a força de uma música. Há uma turma de sertanejos muito famosos e prósperos hoje. Leonardo, Zezé & Luciano, Chitão & Xororó. O fato de o senhor não estar com eles não é uma injustiça? Mas não quero estar nesse grupo. Já fui desse grupo. O que eles fazem agora, cantar romântico, eu já fiz. O que eles cantam em dupla, Miguelzinho e Mariazinha já faziam. Isso já teve. Eles são chamados de sertanejos não pela música, mas porque são sertanejos. São homens do sertão, do chão, pegaram em enxadas. Isso é sério. Eles são de raiz, mas cantam o romântico em dupla. O senhor voltou a fazer novela, Bicho do Mato, da Record, em dupla com Almir Sater. A TV descobriu o senhor de novo? Não sei, mas está bem divertido fazer isso. Fazer novelas me torna diferente dos outros (sertanejos). Estou também discutindo com a direção da Record a existência de um programa musical aos sábados, que eu apresentaria. Vamos ver. Haverá ainda alguém tocando moda de viola daqui a dez anos? Você vai se surpreender. Há pouco tempo um amigo levou um menino de 13 anos em um programa que eu tinha na Bandeirantes. A gente estava em um pátio, garoando, era 1 hora da manhã. Esse amigo falou: ?Que pena, trouxe esse menino pra você ouvir tocar viola.? E eu disse: ?Então toca. Quero ver agora se sabe mesmo?. Rapaz, o menino me deixou de queixo caído, solou uma viola de arrepiar. Coloquei ele no programa no ato. Então não se preocupe, a música de raiz vai existir sim.

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