Ser escritor é transformar mentira em arte, diz Alan Pauls

Escritor argentino convidado da Flip fala sobre seu romance O Passado

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Por Redação
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O argentino Alan Pauls confessou que tornou-se escritor para tentar aliviar uma patologia que o afligia quando era apenas uma criança - mentir compulsivamente, e mentir mal. "Descobri que a única maneira de mentir sem a possibilidade de ser castigado era escrever", afirmou, em entrevista concedida ao estadao.com.br. O resultado dessa conversão de falsidade em arte resultou na obra O Passado, lançado nesta terça-feira, 10, na Livraria Cultura, em São Paulo, após participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na semana passada. O autor classifica seu livro não como uma história de amor, mas uma "história de pós-amor". A trajetória de Rímini, que perde a mulher com quem viveu uma intensa paixão durante 12 anos, transforma o "calvário feminino em seu privilégio e sua condenação", afirma Pauls. A obra, idealizada sob o título "A Mulher Zumbi", fala sobre um amor que morre e as pessoas que não conseguem suportar a perda, vivendo um "amor zumbi", termo que para o escritor, também poderia ser facilmente o nome de sua novela. Rímini (clara referência à cidade-natal de Federico Fellini), é um tradutor que tenta firmar relações após a morte de sua amada Sofia. "O casal perfeito acaba nas primeiras 50 páginas. O que acontece nas outras é delírio sobre as ruínas", explica o argentino. Seu ´fantasma´ volta para atormentar o protagonista, que se afoga em vícios para suportar esta dor - vício em cocaína, em suas traduções, em masturbação e em Sofia. "O Passado é um romance tragicômico, une êxtase e espanto (...) O sublime tem um pé na tragédia e outro na comédia". Assim Pauls define o projeto no qual se debruçou por cinco anos e, em meio a uma longa pausa, levou dez anos para concluir. Para ele, O Passado é apostar tudo em um livro, por não saber se havia escrito uma boa obra, ou ido para o mais ridículo dos abismos. "Foi um livro suicida". Em novembro, o romancista deve publicar uma nova novela, dessa vez "de volta ao formato humano e racional". Revelando-se preguiçoso, disse que reler as 600 páginas da premiada obra foi um martírio. Castigo esse muito bem aproveitado pelo cineasta Hector Babenco, que adaptou O Passado para o cinema e rodou o longa com Gael García Bernal no papel principal. Babenco disse ao estadao.com.br nesta quarta-feira, 11, que o livro havia chamado muito sua atenção, e após decidir investigá-lo, conseguiu permissão de Pauls para compor um roteiro, processo que demorou cerca de um ano e meio. "Pauls me deu liberdade total (para criar como bem quisesse no filme)", diz o diretor do longa, que conta com participação especial de Paulo Autran. Já Gael García foi a opção porque o filme, que deixou de ser rodado no Brasil por se encaixar mais no ambiente argentino, precisava de um grande ator de língua espanhola, necessariamente com menos de 30 anos, explica o cineasta. Pauls existe? Boatos surgiram na Espanha afirmando que Alan Pauls não existia. Diziam que era apenas um personagem inventado por três outros autores: Roberto Bolaño, Enrique Vilas-Matas e Rodrigo Fresán. A farsa só foi desvendada no país quando Pauls recebeu o prêmio Herralde em 2003, concedido anualmente pela Editora Anagrama, na Espanha, a um romance inédito em castelhano, apareceu para recebê-lo. O próprio Fresán explicou aquilo que chamou de "broma" (piada em espanhol) ao estadao.com.br. "Eu, Enrique Vila Matas e Roberto Bolaño falávamos muito sobre Alan Pauls e citávamos passagens de sua obra. Mas não havia livros de Alan Pauls na Espanha e os espanhóis passaram a dizer que era uma invenção nossa. Foi uma brincadeira. Ele ganhou o prêmio Herralde e todos viram que ele existe", afirmou o também escritor argentino Fresán. Já Pauls acha bastante engraçada a história. "Eu gostei muito de ser uma farsa. Eu era irreal. Converter-me em uma espécie de mito foi uma solução muito boa para a questão do escritor que desaparece quando escreve. Lamentavelmente me deram o prêmio Herralde e tive que ir e dizer ´sim, existo´". (Colaborou Daniel Abrão)

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