Sentindo-se em casa em território estranho

A Pilobolus mostra sua poesia acrobática em novo trabalho

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Por Alastair Macaulay
Atualização:

O gramado central do Dartmouth College nesta cidade, cercado por belos edifícios e pináculos antigos de tijolo vermelho, forma um arquetípico câmpus universitário da Nova Inglaterra. Um desses edifícios, o Hopkins Center for the Arts, de 1962, sem quebrar o tom idílico, ainda parece relativamente moderno como arquitetura e isso continua no seu interior. O Hop tornou-se um dos líderes na encomenda de trabalhos de dança moderna. Nos três últimos anos, houve estreias mundiais de Merce Cunningham, Paul Taylor, e outros.Para nenhuma outra companhia, porém, uma temporada em Dartmouth é realmente uma volta para casa como para a Pilobolus. Há 39 anos, quando o corpo discente era totalmente masculino, essa cia. surgiu de um curso de dança moderna ministrado por Alison Chase, e o Hopkins Center foi uma das razões para os jovens que formaram a Pilobolus Dance Theater escolherem estudar aqui em primeiro lugar.As imagens expressivas da poesia acrobática da Pilobolus - alternadamente biológicas, burlescas e edênicas - fizeram dela um novo gênero. A biblioteca da faculdade abriga o extenso arquivo da companhia - que inclui filmes, fotografias, notas e mais -, que também revela a rapidez com que a sua arrecadação de bilheteria cresceu: nos anos 1970 apenas, de US$ 300 (por performances em outra universidade da Nova Inglaterra) a US$ 25 mil (por uma temporada no Sadler"s Well em Londres). A biblioteca também está exibindo uma pequena exposição para homenagear Jonathan Wolken, um dos dançarinos-coreógrafos fundadores e diretores artísticos de longa data da companhia, cuja morte em junho pôs em xeque uma questão: a Pilobolus conseguirá sobreviver a seus criadores? A cia. dedicou apresentações de um fim de semana no Hop à memória de Wolken. Mas o principal evento do programa foi um novo trabalho, Hapless Hooligan in "Still Moving", criado pelo cartunista Art Spiegelman e o coreógrafo Michael Tracy, outro dos diretores artísticos de longa data da Pilobolus, em colaboração com os dançarinos do grupo.É obviamente uma novidade. Em nenhuma outra parte eu vi esse tipo de superposição estonteante de cartum, filme, teatro de silhueta e dança viva. E, no entanto, ele também utiliza, e rejuvenesce, aspectos da Pilobolus que estão lá desde o começo: a lógica de sonho, o toque burlesco, a sensação de liberação física que só às vezes é altamente sexual, e o desafio à categorização. A Pilobolus sobrevive nesta peça e evolui.Chaplin. Hapless Hooligan in "Still Moving" inclui também a morte de sua personagem central. Hapless (ou Hap) remete à velha personagem americana de cartum, Happy Hooligan, mas também ao papel que Charles Chaplin muitas vezes interpretou e ao Petruchka do balé. Ele é um inocente errante, o Camaradinha que ama mas cuja garota é perseguida também por um homem duas vezes o seu tamanho e propenso à agressão. Mas nós também vemos Hap no despertar da consciência e, como Orfeu, no reino da morte. É uma história fabulosamente maluca em tom caricatural.Spiegelman poderia ter contado a história toda em termos de cartum. Isso, porém, teria sido uma peça menor e mais simples. Aqui, a vida de Hap é continuamente apresentada com um show em performance, com múltiplas camadas de realidade. A história é contada como um cartum e encenada pelos dançarinos como silhuetas. Vemos os bailarinos em 3-D em segundo plano e enxertos de um gênero em outro. Silhuetas e cartuns aparecem no mesmo quadro e interagem.Em certo ponto, dançarinos vivos parecem estar lançando sombras em movimento na tela do fundo - até se evidenciar que essas silhuetas na verdade têm vida própria. Numa grande cena, a tela sobe para revelar luzes, aparelhos e personagens. O efeito é tão revelador no contexto que é como se estivessem nos dando um vislumbre fugidio do funcionamento interno do universo.O movimento e a dança levam a história a outros níveis, com a heroína subindo sem esforço para ficar de pé sobre os ombros do homem, num efeito de cartum. Quando ela e Hap morrem, há esqueletos e um diabo dançantes e outras camadas de realidade. É tudo movimento leve, seco, rápido. Parte do prazer da produção é a música, que é, como tantas trilhas musicais da Pilobolus, uma colagem. Se estendendo de Erik Satie a Yma Sumac, ela mantém a comédia. Minhas únicas reservas são a um pequenino momento em que Spiegelman parece ser autorreferente e um final sóbrio quando poderia ser de transcendência teatral.Na Hop, Hap foi seguido por Gnomen, coreografado em 1997 por Wolken e Robby Barnett, outro pai fundador e diretor artístico do grupo. É um belo exemplo de acrobacia apresentada como poesia "piloboliana" transformadora, e um soberbo encerramento do programa.Os dois seguiram o intervalo e vieram como um grande alívio após os três primeiros itens, Redline (2009), Rushes (2007) e Walkyndon (1971): três obras de arte distintas, mas parecendo fracas.Transcendência. Embora a Pilobolus sempre tenha sido popular, teve muitos adversários - "É tão imaturo!" observou certa vez um amigo - e essas três palavras me fizeram ver por quê. Mas Hapless Hooligan transcende esse aspecto por ser elaboradamente arrebatador. E Gnomen vai direto ao coração do imaginário da Pilobolus, que se apresenta de 12 de julho a 7 de agosto no Joyce Theater, em Nova York. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

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