Seis volumes de prazer, sexo e fama

Álbuns de recortes de Hugh Hefner, o rei da Playboy, viram caixa de livros em edição limitada

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Por Christopher Turner THE GUARDIAN
Atualização:

Hefner, o magnata do glamour.

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"Se Kinsey fez seu famoso relatório, eu fui o autor do panfleto, divulgando a notícia da liberação sexual numa revista mensal"

Quando não está tomando Viagra para entreter o seu harém de coelhinhas, Hugh Hefner gosta de sentar-se em sua cama circular giratória e colar em grandes álbuns artigos de jornal que falam dele. Desde a adolescência, o lendário sedutor vem compilando um livro de recortes da sua vida. Inicialmente, eram quadrinhos que ele mesmo desenhava, rabiscos cheios da angústia existencial provocada pelos hormônios, com o personagem principal Goo Hefner: "Nosso herói", um "tipo Sinatra", "o colegial dos filmes da época". Esses diários gráficos eram o preâmbulo da

Playboy

, a revista que colocou seu criador no centro de um mundo que ele mesmo inventou.

 

Quando disparou para a fama graças ao sucesso da publicação, os livros de recortes cresceram, enriquecendo-se com tudo o que se escrevia a seu respeito: hoje, são mais de 2 mil volumes com capa de pelica alinhados nas estantes no terceiro andar de sua mansão em Los Angeles.

 

A Playboy de Hugh Hefner: 1953-1979 (editora Taschen), sua "autobiografia ilustrada" em seis volumes, 3.506 páginas, é destilada desta modesta coleção e mistura reflexões pessoais com fotos de seios recortados da revista. Impressa em uma edição limitada de 1.500 exemplares, é vendida na Grã-Bretanha por 900 libras. Esses tomos são obviamente preciosos demais para deixar que se estraguem nas mãos dos autores de resenhas, portanto a única maneira de ver a autobiografia é visitando a sede da editora Taschen, onde como o investigador de Cidadão Kane, pode-se ler uma prova no cofre fechado a sete chaves do editor. A coletânea, vendida numa caixa, vem com o que parece um estranho lenço, mas na realidade um pedaço de pijama de Hefner, que, conforme se garante aos compradores, "o próprio grande homem gastou com o uso").

 

Os pedaços de seda de 7x7cm e o velho de 84 anos que os forneceu são relíquias da revolução sexual. Hefner tentou construir para si um lugar importante na história do movimento, "cujo início algumas vezes me é atribuído (ou pelo qual me acusam)". Na realidade, no final da década de 70, esteve perto de se tornar um mártir da causa quando quase sufocou ao engolir um brinquedo sexual. Felizmente, sua namorada conseguiu retirá-lo, e ele sobreviveu para abrilhantar sua lenda como herói e mudar a cultura sexual do mundo ocidental.

 

Relatório Kinsey. Hefner afirma que foi a publicação da pesquisa sobre o comportamento sexual, de Kinsey, que deu impulso à Playboy: "Se as leis americanas fossem rigorosamente aplicadas, 95% dos homens e meninos seriam presos como criminosos sexuais", escreveu em uma resenha estudantil da obra de Kinsey. "Nossa falsidade moral, nossa hipocrisia em questões de sexo levaram a uma incalculável frustração, delinquência e infelicidade". A Playboy, que começou a ser vendida nas bancas de jornais em dezembro de 1953, zombava da ficção puritana dos EUA. "Se Kinsey havia feito a pesquisa", refletia Hefner anos mais tarde, "eu fui o autor do panfleto, divulgando a notícia da liberação sexual numa revista mensal".

 

Com um empréstimo de US$ 8 mil (US$ 1 mil da mãe, que esperava que ele se tornasse missionário), o jovem Hefner de 27 anos produziu uma revista com as páginas coladas, mas vital. Adquiriu os direitos de uma foto sensual de Marilyn Monroe e a usou como isca nas páginas duplas centrais para alardear 70 mil pedidos adiantados: "Imediatamente passamos para a categoria dos grandes sucessos para as bancas de jornal", escreveu, "e provavelmente para os nossos leitores também". No prazo de dois anos, a Playboy vendia 500 mil exemplares por mês, a US$ 0,50 o exemplar; até o final da década, o número dobrou. Hefner fazia os leitores se sentirem membros de um clube instruído, sofisticado, de elite. Em 1957, ofereceu-lhes a possibilidade de comprar, por US$ 150, uma assinatura vitalícia, que poderiam transferir para um herdeiro. A primeira edição foi entregue à mão por uma playmate (uma de suas modelos).

 

Apesar do objetivo radical, a Playboy foi planejada, observa Hefner, como "uma reflexão romântica de outros tempos". Desde o início, era algo retrô, repleta de nostalgia da era do jazz e da época anterior ao código hollywoodiano. Na edição de lançamento, descreveu seu leitor ideal (basicamente ele próprio): "Gostamos do nosso apartamento. Gostamos de preparar uns coquetéis e uns salgadinhos, pôr uma música na vitrola e convidar uma pessoa do sexo feminino para conversar tranquilamente sobre Picasso, Nietzsche, jazz e sexo."

 

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Ao lado de fotos excitantes e desenhos apelativos, Hefner enchia a revista de boa ficção, o que permitia que os assinantes brincassem: "Só a leio por causa dos artigos." A primeira edição incluiu uma reprodução de um conto de Sherlock Holmes; romances inteiros, como Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, eram publicados em partes.

 

Embora a maior parte da ficção da Playboy já tivesse sido publicada em outros lugares, podia gabar um acervo de impressionantes escritores, como John Steinbeck, Jack Kerouac, Arthur C. Clarke, PG Wodehouse, Bertrand Russell, Norman Mailer, Margaret Atwood e Vladimir Nabokov. Na festa de comemoração do 25.º aniversário da revista, Hefner agradeceu às modelos do encarte central dizendo: "Sem vocês, estaria publicando uma revista literária."

 

Certa vez, ele observou que sua vida era um livro aberto, cada página uma mancha de tinta do teste de Rorschach no qual os leitores projetavam as próprias fantasias sexuais. Apesar das pretensões literárias, sua autobiografia - escrita com a sisuda fanfarronice de Donald Trump - não consegue dar conteúdo a essas manchas indecifráveis.

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Ele nasceu em 1926 numa família metodista ortodoxa, que ele descreve como "repressiva" e "absolutamente fechada". Adolescente magricela, aparentemente não tinha muita sorte com as garotas. Aos 16 anos, ficou arrasado quando Betty Conklin, uma "moreninha espevitada", escolheu outro garoto para acompanhá-la numa corrida do feno. "Resolvi me reinventar para atrair as pessoas do sexo oposto", diz Hefner sobre o nascimento de sua nova e delicada personalidade. "Comecei a usar roupas mais esportivas - camisas vermelhas de flanela, calças de veludo cotelê amarelas e sapatos de duas cores."

 

Mesmo assim, só mais tarde começou a ter experiências sexuais. Em 1948, o ano da publicação do livro Comportamento Sexual do Homem, de Kinsey, aos 22 anos perdeu a virgindade com sua namorada de longa data, Millie Williams, que conhecera nas aulas de psicologia na Universidade de Illinois. Casaram no ano seguinte e tiveram uma filha, Christie. Segundo afirma Hefner, Millie foi a primeira de mais de 2 mil amantes.

 

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Foto emblemática. No final de 1961, ele reuniu 12 de suas playmates favoritas para uma fotografia: "O que tornou o evento tão pessoal e particularmente inesquecível foi o fato de eu ter-me envolvido romanticamente com 11 das meninas da foto." Olhando a foto, a gente se pergunta qual terá sido a felizarda que escapou.

 

Lendo a autobiografia de Hefner juntamente com Mr Playboy: Hugh Hefner and the American Dream (Mr. Playboy: Hugh Hefner e o sonho americano), de Steven Watt, pode-se perceber quanto ele preferiu excluir. Watts, que pôde consultar à vontade seus livros de recortes, documenta o período de experimentação sexual que levou à separação do casal em 1956: a troca de esposas (Hefner dormiu com a cunhada), a bissexualidade, as orgias, os filmes pornôs que ele fazia e casos em série que não são mencionados.

 

Ele tinha um quarto de dormir ao lado do escritório e costumava ficar de pijama nas reuniões porque a fronteira entre trabalho e prazer acabava se rompendo. "O dever me chama", costumava dizer desculpando-se para ir entreter uma mulher (no escritório só havia funcionárias, as playmates). Em 1988, depois de sofrer um derrame, Hefner deixou o cargo de diretor executivo da Playboy Enterprises e entregou as rédeas das empresas à filha. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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