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Luzes da cidade

Segredos e mentiras

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Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Com algumas semanas de atraso, um relutante Barack Obama pronunciou a palavra "desculpas", mas a frase escolhida parece não ter aplacado os destinatários da contrição: "Peço desculpas se eles se encontram nesta situação com base em garantias que receberam de mim". Uau. Se há um prêmio oficial para Eufemismo do Ano, o Prêmio Nobel de 2009 pode arranjar mais uma vaga na prateleira. O presidente se referia ao fato de que repetiu dezenas de vezes, com vídeos on-line para provar, variações desta afirmação: "Se você gosta do seu atual plano de saúde, se gosta do seu médico, nada vai mudar. Ponto".Desde o dia 1o de outubro, centenas de milhares de americanos começaram a receber cartas de cancelamento de seus planos porque ficam abaixo do mínimo de serviços determinados pela lei do Obamacare. A lei inspirou o Tea Party a fazer o público americano de refém, paralisando Washington durante mais de duas semanas. Obrigar os planos de saúde a fornecer serviços como medicina preventiva e incluir assistência de saúde mental é uma ótima ideia.Mas uma população que varia, na boca de especialistas, de 300 mil a 10 milhões de americanos vai ter que trocar seu plano e, talvez, seu médico. Até aí, tudo bem. O problema é que a lei excluiu, sob pressão do lobby das seguradoras privadas, a opção do plano público de saúde. E, assim, dependendo do Estado onde vive, uma família americana chefiada por trabalhadores autônomos pode ter um aumento de até 500% na despesa mensal com plano de saúde. Diga isto para os milhões que não conseguiram se reintegrar ao mercado de trabalho desde a grande recessão. Ou para o recém-formado que há três anos não consegue entrar no mercado de trabalho e é jovem o suficiente para arriscar um plano de saúde fuleiro. Ou nenhum plano, como fez esta colunista, durante cinco anos de insensatez, no passado. A contribuição dessa população de jovens saudáveis e insensatos, que vão pesar muito menos do que os baby boomers na assistência médica mais cara do planeta, é crítica para a sobrevivência econômica do Obamacare e, cada vez que escrevo esta palavra, me lembro de sua origem espúria.O termo Obamacare foi cunhado com malícia calculada pelos republicanos para ridicularizar o mais ambicioso plano da agenda doméstica do presidente. A definição jocosa foi adotada não só por jornalistas de direita como pelos preguiçosos que cobrem o mundo de pijama no seu sofá. Na campanha de reeleição de 2012, algum mago do marketing presidencial deve ter soprado no ouvido do chefe: tome posse do apelido. E Obama saiu fagueiro nos comícios, assumindo: É isso aí, Obamacare, é a minha lei e eu me orgulho dela. Oh, brother.Agora ficamos sabendo que o fiasco do website healthcare.gov, crucial para a inscrição no Obamacare, foi não só previsto, como exibe, na origem, seu parentesco com a obsessão pelo sigilo que começa no 11 de setembro, durante o governo de George W. Bush.Um relatório recente do Comitê Para a Proteção de Jornalistas, sobre a relação de Barack Obama com a imprensa, recolheu depoimentos como estes: "Ele é o menos transparente dos sete presidentes que cobri" (Anne Compton, repórter da rede ABC). "Esta é a mais fechada, bizarramente controladora administração que cobri" (David Sanger, Correspondente Chefe de Washington do New York Times).Sim, ninguém haveria de sugerir que invadir o Iraque sob falso pretexto equivale em gravidade a jogar um número indeterminado de americanos na incerteza sobre suas opções de assistência médica com um website cuja eficiência está mais para Caracas do que para o Vale do Silício. Mas é fato que o renomado economista de Harvard David Cutler, escreveu, em 2010, um memorando para Lawrence Summers, então principal assessor econômico do presidente, detalhando a impossibilidade de implementar o Obamacare com a equipe de cozinha da Casa Branca e prevendo parte do desastre em curso. Summers bem que brigou, mas foi derrotado pelos consiglieri políticos da câmara de eco em que se transformou a sede do poder executivo.Mesmo se descontamos o sentimento de perseguição diante de um Partido Republicano disposto a impedir a qualquer preço que 45 milhões fossem integrados aos planos de saúde, a obsessão com o segredo, agora sabemos, se estendeu até a liderança democrata. A gente como a Deputada Nancy Pelosi, a quem Obama deve parte do sucesso da passagem da lei que leva seu nome. O governo tratou o lançamento da mais importante iniciativa social inclusiva dos últimos 50 anos como um Manhattan Project. Mas não alistou um Robert Oppenheimer para comandar a implementação, preferiu contar com apparatchiks trabalhando em segredo.O sigilo fora de controle no Poder Executivo pode resultar na morte de 100 mil iraquianos ou na escuta do papo de Angela Merkel com o marido. Acaba de reclamar nova vítima, o lançamento do Obamacare.

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