Secretário diz que Rouanet é benéfica e é natural que conservadores queiram recursos

Para 2020, segundo Camilo Calandreli, a ideia é descentralizar investimentos à cultura, preparando produtores no interior do Brasil para pedirem recurso da Lei de Incentivo Fiscal à Cultura

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Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - Atacada pelo bolsonarismo, a Lei Rouanet encerrou 2019 com captação de recursos de R$ 1,46 bilhão, valor recorde. Em entrevista exclusiva ao Estado, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Camilo Calandreli, que cuida da lei, diz que é natural que o movimento conservador, do qual ele faz parte, se engaje para abocanhar esses recursos federais.

O secretário de Fomento e Incentivo à CulturaCamilo Calandreli Foto: Gabriela Biló/ Estadão

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Músico e professor, Calandreli já fez críticas à Rouanet antes de assumir o cargo, mas na entrevista diz que a lei é "benéfica", "um case de sucesso" e que "alguns casos isolados é que acabaram dando imagem negativa ao projeto".

Para 2020, segundo o secretário, a ideia é descentralizar investimentos à cultura, preparando produtores no interior do Brasil para pedirem recurso da Rouanet. Ele também quer investimentos maiores de estatais. No ano anterior, essas empresas destinaram R$ 87,5 milhões, mas já chegaram a entregar R$ 312,6 milhões em 2006. "O presidente (Jair) Bolsonaro foi sensível à entrada das estatais em novos editais que possam atender aos municípios", diz.

Rebatizada em 2019 para Lei de Incentivo Fiscal à Cultura, a regra de fomento ainda é chamada de "Rouanet" no governo. A legislação é alvo do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores há anos. Em abril, Bolsonaro chamou a lei de "desgraça" que virou uma "festa" para cooptar a classe artística. Em novembro, Bolsonaro nomeou o dramaturgo Roberto Alvim como secretário especial de Cultura e marcou a chegada de conservadores, seguidores do escritor Olavo de Carvalho, ao setor no governo.

Apesar do apelo do eleitorado de Bolsonaro, Calandreli não promete uma revolução na Rouanet sob sua gestão. "As alterações que serão feitas visam a melhorar sistema que já é bom". Uma das ideias é tornar o processo mais transparente, com atualização do software que permite visualizar dados sobre a captação de recurso, o "Salic".

Na entrevista, o secretário afirma que uma "comissão da verdade", anunciada por Alvim, irá escrutinar cerca de 14 mil processos antigos da Rouanet, que ainda não foram digitalizados. Mas ele disse que seria "leviano" cravar que um grande caso de corrupção sairá desta análise.

Trazido ao governo por Alvim, o secretário Calandreli afirma também que não pode barrar o financiamento de obras que desagradam o governo, mas aposta que esse tipo de produção tende a perder força por desinteresse da sociedade.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista de Camilo Calandreli:

A secretaria pretende criar mecanismo para evitar que obras com "viés ideológico" sejam financiadas?

A Lei Rouanet deixa bem claro: não pode interferir no conteúdo artístico. Quem faz o crivo é a população. Hoje a população não quer, não aceita determinadas (obras). São mudanças naturais. A sociedade rejeita. O produtor talvez vá parar de fazer. O patrocinador não vai patrocinar. O projeto vai deixar de existir. Acabou.

Bolsonaro disse diversas vezes que o governo não financiará mais determinado tipo de obra. Isso é possível?

É um sentimento. Até que isso se transforme em ação são vários aspectos que são relevantes. Então gradativamente a gente pode atingir esse nível. De uma forma abrupta, mediante a questão da Lei Rouanet em si, a gente não pode fazer nada.

O senhor mesmo já fez críticas em redes sociais (à Rouanet)...

As minhas críticas ou elogios são opiniões, como ser humano, como pessoa, tenho direito a opinar. Eu hoje estou em outra condição, ocupando uma secretaria. A minha opinião é secundária perante outros fatores que são maiores do que a minha opinião.

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A secretaria pensa em estimular o movimento conservador a buscar recursos da Rouanet?

A própria sociedade se organiza para isso. É um sentimento natural. O governo é composto por um conservador, Jair Bolsonaro. Tem uma parcela do público conservador que enxerga com bons olhos (usar recursos da Rouanet), que entende esse mecanismo. Já os liberais econômicos não enxergam com bons olhos. Cada um tem direito de opinar.

Por que a Rouanet é tão criticada?

Bom, ela pode ser criticada muitas vezes pela falta do entendimento do que realmente significa a Lei Rouanet, por falta de diálogo com setor produtivo. Alguns casos isolados acabaram dando imagem negativa ao projeto. Analisamos em 2019 mais de 3 mil projetos. Se você for pegar, às vezes, um ou outro pontualmente pode cometer alguns erros. Mas não pode manchar imagem de uma lei que é benéfica. É um case de sucesso.

O investimento das estatais na Rouanet deve subir para quanto?

Expectativa é aumentar esse volume de investimento das estatais. O valor depende. Seria legal se fosse uma quantia que atendesse a todo mundo, mas não sei dizer a estimativa. A gente espera atender objetivos.

Como será essa 'comissão da verdade' da Lei Rouanet anunciada pelo secretário especial da Cultura, Roberto Alvim?

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Precisamos, tem volume grande no passivo. Não são somente projetos da Rouanet que têm passivo, vamos fechar em 14 mil do incentivo fiscal. São processos antigos, que estão no papel. A gente vai acelerar esse processo de digitalização. Dentro do passivo, a gente vai encontrar de tudo. Coisas que são bem feitas, ou mal e precisam de explicações. Nossa função é depurar.

Consegue prever se dessa análise vão sair grandes casos de corrupção?

Imagina. Vou ser leviano se falar qualquer coisa.

Mas não é leviano usar o termo comissão da verdade, que foi emplacado para tratar da ditadura militar?

Não, porque traduz um sentimento. Não está apontando alguém. É uma expressão. A gente não pode canalizar todo o entendimento do processo com uma única expressão. É apenas uma verbalização.

PARA ENTENDER:

Quem é o secretário?

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É formado em música pela USP e pós-graduado em Administração Pública pela UFRG. Ele é idealizador do Simpósio Nacional Conservador de Ribeirão Preto (SP).

O que é a Lei Rouanet?

Lei Rouanet permite direcionar parte do imposto de renda para projetos aprovados - 6% do imposto devido para pessoas físicas - 4% para empresas

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