Sebastian Bach vai ao forró

É no acordeom de Richard Galliano que o autor ganha uma nova aura

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Por Redação
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Nos anos 60, o nome de Bach foi uma espécie de "abre-te sésamo" de um dos nichos inteligentes da música popular. Suas obras foram arranjadas de todo jeito. A onda incluiu nomes tão díspares quanto o pianista francês Jacques Loussier e seu trio Play Bach, o grupo vocal Swingle Singers e até o poetinha Vinicius de Moraes (pôs letra belíssima no coral Jesus, Alegria dos Homens, da Cantata no. 147, que virou Rancho da Flores). Improvisava-se à vontade sobre Bach - sempre com sucesso popular. Nada muito refinado, mas funcionava para o público.Meio século depois, a atitude em torno de Bach é mais atrevida ainda e paradoxalmente mais respeitosa do texto de sua música. Um exemplo é o talentoso pianista de jazz Uri Caine, que pintou e bordou com as Variações Goldberg num magnífico álbum duplo de dez anos atrás (selo Winter & Winter) no estilo mais libertário que já se praticou com relação a Bach. Outros músicos populares demonstram um respeito inesperado pelo autor dos Concertos de Brandenburgo. É o caso do sanfoneiro francês Richard Galliano, que completa 60 anos em dezembro. Amigo e parceiro de Hermeto Pascoal, Chico César, Dominguinhos e Sivuca, e dos mais conhecidos músicos de jazz das últimas décadas, Galliano esteve várias vezes no Brasil. Ano passado tocou com a Jazz Sinfônica e participou com Chico César de Paraíba, meu amor, documentário sobre o forró.Pois não é que Galliano resolveu levar Bach a sério? E escolheu a gravadora mais "erudita" do pedaço para a empreitada. Acaba de lançar no mercado internacional o CD Bach pelo selo Deutsche Grammophon, onde, acompanhado por um quinteto de cordas, faz um passeio fascinante pelo universo bachiano. Vocês não imaginam como os timbres da sanfona e das cordas se fundem em sonoridades delicadas - sobretudo quando se respeita a partitura. Ouçam o célebre Concerto para violino BWV 1041, sedutoramente encarnado pela sanfona. Ou então a surpreendentemente adequada leitura do Concerto para Cravo em fá menor BWV 1056, outra obra famosíssima. Alternando-se entre o acordeom ou sanfona, o bandônion (tocou com Astor Piazzolla por nove anos) e o que chama de acordina (sanfona com botões em vez do teclado normal), Galliano diz que quer injetar sangue novo nas obras. E faz isso esbanjando talento. "Como se pode realizar novas versões dos concertos para violino, as suítes para violoncelo-solo e as peças para cravo ou órgão depois das gravações de músicos como Glenn Gould, Pablo Casals ou Isaac Stern...?", pergunta-se no texto do encarte.Ele sabe o que diz. Estudou música clássica desde pequeno, gravou um CD com peças de Ravel e Debussy. Tem em seu DNA uma amplitude estética que lhe permite execuções ao mesmo tempo livres e rigorosas. Basta ouvir suas performances-solo: o Prelúdio da Suíte no. 1 para violoncelo e a Allemande da partita para flauta BWV 1013; a esplêndida leitura do Contrapunctus 1 da Arte da Fuga, testamento musical abstrato de Bach, que sequer designou instrumento no qual deveria ser executada; e sua única composição, uma comovente Ária de genuíno espírito bachiano.Com Marsalis. Curiosamente, chega ao mercado internacional ao mesmo tempo um CD-DVD de Galliano mais convencional. Trata-se de From Billie Holiday to Edith Piaf - Live in Marciac (selo Orchard), parceria do sanfoneiro com o sofisticado quinteto do trompetista Wynton Marsalis, captada em show ao vivo no festival de 2008. Alternando canções das duas divas da dor-de-cotovelo, constrói-se um show zen, onde brilham versões emocionantes porém plácidas de Strange Fruit, assinatura musical de Billie, e de La Vie en Rose, de Piaf. O DVD reproduz exatamente as performances do CD. Galliano, claro, deixa sua marca com compositor no belo tributo Billie. É excelente, mas previsível. Entre Bach e as divas, fique com o primeiro, pois nada substitui, em música, a surpresa pelo novo.Áudio. nome

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