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‘Se é para falar algo, digo: não sei cozinhar’

Instigado a revelar seus defeitos, Roger Federer delega a tarefa aos que convivem com ele dentro e fora da quadra

Por Sonia Racy
Atualização:

Mesmo se perder o US Open deste ano - dependendo de como isso se der -, Roger Federer poderá continuar no topo do ranking. Sendo assim, qual o desafio deste que é considerado o melhor tenista de todos os tempos e dono de um recorde de 17 Grand Slams? Difícil saber. O que se sabe é que o atleta (suíço) é hoje o embaixador pró-popularização da modalidade. Apesar do jeito nada exibicionista, como bem lembra seu biógrafo (não autorizado) René Stauffer.

O tenista certamente difere de seus antecessores. Não é um destruidor de raquetes à la John McEnroe ou Ilie Nastase. Nunca pega em suas partes íntimas, fazendo sinais para o público, a exemplo de Jimmy Connors. Ou sangra os joelhos se atirando na quadra, como Bjorn Borg. O número 1 do mundo tampouco se cerca de atrizes ou modelos. Casou-se com Mirka - ex-tenista que não chama exatamente a atenção pela beleza. Com 31 anos de idade e duas filhas gêmeas, está com ela há 11, um terço de sua vida.

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Federer, que jogou 65 partidas só neste ano, agendou receber o Estado dois dias antes da abertura do torneio em Flushing Meadows, NY. Por 15 minutos, mesmo tempo dedicado à outra mídia impressa que receberia nesta temporada, o Wall Street Journal. Tempo que, por intervenção do próprio tenista, foi estendido em mais... 10 minutos. Diferentemente de seus assessores, o mega-star do tênis parecia ter todo o tempo do mundo. 

Federer vem ao Brasil, contratado por Luiz Felipe Tavares, da Koch Tavares, para jogos de exibição nos dias 6, 7 e 8 de dezembro. A seguir, os melhores momentos da entrevista. Leia a entrevista completa na edição de amanhã da coluna Sonia Racy.

Você é uma unanimidade entre jogadores, jornalistas, empresários do tênis e amigos. Uma pessoa sem defeitos. O que considera um defeito seu?

Não sou um cara perfeito. Tenho falhas, mas acho que listá-las é função para as pessoas que convivem comigo. Se é para falar algo, digo: não sei cozinhar. Talvez para algumas mulheres isso seja um defeito (risos). Para mim, é um problema pequeno. Sempre tive a sorte de ter minha mãe, namorada, mulher, cozinhando para mim.

Li em sua biografia que, no começo da carreira, você nem sempre soube se controlar. Costumava jogar a raquete na quadra quando algo o aborrecia. Onde anda essa raiva? 

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Tenho certeza de que essas coisas ficam em algum lugar dentro da gente. Mas aprendi a lidar com a pressão do público, da TV ao vivo. E também adquiri um respeito pela história dos jogos, por aqueles que vieram antes de mim e sedimentaram um caminho para nossa geração. Se eu olhar para trás, todos os grandes jogadores vencedores são exemplos. E eu não queria ser a exceção. Mudei.

Quando mudou?

Em 2001. De um dia para o outro, eu disse: “Nunca mais jogarei a raquete”. Sabia que tinha aquela fúria dentro de mim, mas abafei e pensei: “Não vou deixar sair”. Aí, comecei a perder essa fúria, que é também a fonte e a energia para ganhar os pontos. Percebi que perdi os dois lados, o ruim e o bom dessa “emotividade”. Em 2003, cheguei à conclusão de que, ok, eu tinha esse “fogo”, mas também tinha capacidade de equilíbrio. Já faz uns dez anos que estou em paz.

Fez análise, algum tratamento?

Tive um “treinador mental” durante um ano e meio, quando ainda era júnior. É um cara que te aconselha, por exemplo, a esquecer a perda de um ponto rapidamente, a ficar calmo.

Tem medo de, algum dia, a fúria voltar, como um vulcão?

Não, eu me preocupo tanto com o jogo que... Estou em paz com o que sinto.

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Quando está jogando, em que pensa? Tem ruídos na plateia, a pressão, jogo psicológico. Você se educou a pensar em algo para se concentrar? 

Existe um plano de jogo que eu sigo. Um approach tático. Depois, há a expectativa do público: para mim, para meu oponente, a favor ou contra. Eu me preparo, treino, tento dormir bem, ter um estilo de vida saudável. Quando estou na quadra, dou meu máximo. Não há um jeito de me concentrar. É tudo muito automático.

Ayrton Senna dizia, quando ganhava, que havia sido Deus. 

Eu me lembro disso. Realmente, há muita pressão. E, desde criança, muita coisa me cerca. O equilíbrio que eu busco vem da minha família, dos meus amigos. Também das férias e de um bom planejamento. Tento administrar as expectativas e entender que não ganharei sempre. Minha mulher tem uma grande influência sobre mim, faz questão de que eu descanse, tire férias. Muitos jogadores têm problemas em tirar férias e voltar para bater recordes em duas ou três semanas...

Você não?

Eu poderia tirar dois meses de férias amanhã. Claro que teria de treinar muito para voltar, mas adoro estar de férias, ficar com minha família. Isso é uma grande fonte de energia. Uma vez que estou em um jogo de tênis, consigo ver a luz no fim do túnel, consigo me concentrar no que tenho de fazer.

Onde mais você acha que poderia usar seus talentos, como determinação, concentração etc? 

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Em outro esporte, talvez. Adoraria ser jogador de futebol. Mas sou feliz com o tênis, porque me deu tanto e eu o amo. Talvez me sirva, algum dia, em outros objetivos, como uma fundação ou algum negócio.

Você é perfeccionista. Quando vence, mas o jogo não foi perfeito, como se sente?

(risos) Acho que ganhar é o mais importante. Sei que há jogadores que pensam que, uma vez que estão melhorando, já se sentem satisfeitos. Eu não. Quando estou no jogo, só me importa ganhar. Não me importa o quão mal estou jogando. Essa é a beleza também de ser um campeão. Fazer funcionar mesmo quando você não está no seu melhor dia, não está se sentindo bem. Quando está doente... achar um jeito. Para mim, isso é força. É o desejo de ganhar. Nunca desisti de um jogo na vida.

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