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Scorsese na idade da razão

Diretor fala sobre o futuro do cinema, de novos projetos e a preocupação com a forma de investir o tempo que lhe resta

Por PEDRO CAIADO
Atualização:

Na continuação da entrevista, Martin Scorsese comenta sobre sua indisposição em dirigir sequências e a grande possibilidade de reativar a parceria com o ator Robert De Niro.Você diria que segue regras à risca, não importa o filme que esteja realizando?Sim, sim. É importante selecionar os personagens, o que eles fazem e, em muitos dos meus filmes, como eles se expõem na história. Há muito a ver com autoestima exagerada, orgulho, traição e confiança. Histórias com esses temas sempre me chamam mais a atenção. Você pode colocar esses temas em mundos diferentes, como Los Angeles dos anos 70 ou Jerusalém do primeiro século, e eles sempre vão funcionar por serem de apelo universal.Você não é fã de sequência, gosta de fazer algo e seguir adiante?Acho que sim. Estou muito mais velho agora, e por isso, resta pouco tempo, se é que há algum. Então, tenho de ser cuidadoso com qual filme farei em seguida. Sempre me pergunto: "Será esta a melhor forma de investir meu tempo?"Você é consciente do legado que já realizou para o cinema?Acho que sim, mas não sei se há algum. Talvez parte de mim queira que haja um legado, mas a realidade é que o cinema é uma experiência diferente agora. Jovens percebem o mundo, e as informações, de maneira totalmente diferente da minha época. Então, não sei como eles verão no futuro o que fiz no passado, e se meus filmes significarão algo para eles.Você realmente acha isso?Bem, espero que os roteiros de Taxi Driver, Caminhos Perigosos ou Touro Indomável, ou qualquer um dos meus outros, tenham alguma importância para as pessoas no futuro, se por acaso os verem. As coisas caem em desuso, saem de moda. Eu não tenho ideia. Mas espero sempre poder fazer meu próximo filme.Você acha que um dia vai se aposentar?Acredito que não.Você voltará a dirigir episódios da série de TV Boardwalk Empire?Gostaria muito. Eu não continuei após dirigir o piloto porque estive ocupado com outros projetos. Agora, os personagens se desenvolveram, assim como todos no set.Você se vê trabalhando com Robert De Niro novamente?Sim. Bob e eu temos um projeto que esperamos realizar em um ano ou dois. É sobre meu gênero favorito, o submundo, mas com a vantagem de ser do ponto de vista de um homem mais velho. E uma história boa. Eu digo, boa, dura.Como você mudou com a idade? Você acha mais difícil filmar violência?Sim, sem dúvida nenhuma. Não diria que estou mais sentimental, mas você sabe, você fica mais velho e vê pessoas nascerem e morrerem. É inevitável pensarmos no fim. A última declaração que eu quis fazer sobre o gênero foi no fim de Cassino, nos campos de milho (onde os irmãos Santoro são enterrados vivos). Eu sinto que aquela é a prova final do que aquele mundo significa, e de que a violência é parte do mundo, parte do que nós somos como seres humanos.Quais filmes você relembra com mais afeição?Eu naturalmente tenho uma proximidade maior com Caminhos Perigosos, de1973. Aquele filme foi um projeto muito excitante. E o documentário que eu fiz com minha mãe e meu pai, Italian-american. Mas, enquanto se realiza um filme, há uma mistura de emoções. Se meu estilo de vida naquela época não me traz boas memórias, eu tendo a não relembrar aquele filme particularmente.Você sempre se dá por satisfeito com o resultado de seus filmes?Penso que não. Certamente tenho a sensação de ter finalizado um filme e de não querer modificar mais nada naquele projeto especificamente.Você acha que ainda poderia fazer um filme de 1 milhão de dólares? (Hugo custou cerca de US$ 170 milhões)Sim. Não vai ser um Gangues de Nova York. Depende da proporção do filme. Se eu puder visualizá-lo, se o roteiro for forte o suficiente e se eu puder contar com a cooperação da equipe e dos atores, eu poderia filmar com 1 milhão de dólares, sim. Vinte dias. Por que não tentar?Qual dica você deixa para cineastas que estão começando carreira?É uma época muito excitante, porque tudo é novo e o que foi feito ficou para trás. Depende do cineasta trazer, e fazer, algo novo. Não será mais o cinema do século 20. Nós chamamos de cinema, mas eu acho que será algo diferente. Filmes serão feitos para telas pequenas também, o que não significa que seja ruim. Mas acredito que é sempre importante expor os filmes do passado para a nova geração. Caso contrário, tudo será esquecido. Onde estará a beleza de ver um filme aos 10 anos de idade, aos 25 e então aos 60, e perceber que o significado daquela história mudou complemente? Quando uma criança terá essa experiência no futuro? Por que apagar imagens de filmes que significavam alguma coisa na sociedade? Eu venho de um tempo em que os filmes tinham algum significado para a sociedade. Não acredito que seja mais assim.

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