Schumann. Afinal, por que ninguém fala dele?

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Por João Marcos Coelho
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Existe algo mais romântico do que o noivo oferecer à noiva uma coroa de "myrtes"? Você acha que se trata de um buquê de flores, não é? Pois no dia 11 de setembro de 1840 o compositor Robert Schumann, 30 anos, ofereceu à sua noiva, a pianista Clara, de 20, um buquê de manuscritos de 22 "lieder" (canções para voz e piano), envoltos numa fita de veludo com a dedicatória: "À minha amada Clara, na véspera de nosso casamento, de seu Robert." No dia seguinte à cerimônia, o casal inaugurou um Diário Conjugal original. Na primeira página, estas palavras: "Este caderno, iniciado hoje, tem significado íntimo: deve ser a narrativa cotidiana de tudo o que nos acontecer em nossa vida conjugal. (...) Minha querida esposa, se você está de acordo, prometa-me observar estritamente os estatutos de nosso pacto secreto, como eu prometo fazer. A cada oito dias trocaremos de função, na direção do diário; todos os domingos, numa hora marcada (no café, se possível), faremos a transmissão do Diário, obrigatoriamente com um beijo."Era o happy end de uma guerra com o pai dela, seu ex-professor de piano, que durou seis anos e só foi resolvida na barra dos tribunais. Eles viveram um romance arrebatador por uma década. Tiveram seis filhos. Mas a sífilis que ele contraíra aos 20 anos e outros problemas mentais o levaram a um grave transtorno bipolar. Robert atirou-se no Reno em pleno inverno, tentando se matar, em janeiro de 1854; foi internado num sanatório, onde morreu em 29 de julho de 1856.Muito mais do que Chopin, Schumann encarnou a figura do compositor romântico por excelência, atitude novíssima no início do século 19. Antes, os compositores imitavam a natureza, agora queriam traduzir os sentimentos. Schumann realizou, em sua música instrumental, o ideal de Liszt de que "a música é uma linguagem poética mais apta do que a própria poesia para exprimir o que atinge as profundezas inacessíveis". Os românticos propuseram, assim, uma nova forma de escuta da música. Entre 1829 e 1839, fase de namoro com Clara, Robert mostrou isso ao piano, nos ciclos pianísticos construídos com quase-fragmentos, como Cenas Infantis. Ao todo, 29 obras, várias entre as mais célebres, como Papillons, Danças dos Companheiros de David e Carnaval.Foi mais longe, unindo música e poesia em cerca de 250 lieder. Entre eles um dos mais celebrados e geniais ciclos de canções da história da música, Dichterliebe, ou O Amor do Poeta, opus 48, considerado por muitos o mais perfeito ciclo de canções. Transportou este ideário para a música de câmara, com três quartetos de cordas e o quarteto e o quinteto para piano e cordas, suas obras mais conhecidas no gênero; as quatro sinfonias, um mundo que só passou a frequentar na maturidade; e as muitas obras corais-sinfônicas, hoje pouco executadas.Limbo. As muitas comemorações pelos 200 anos de nascimento de Chopin jogaram no limbo o fato de que Schumann também nasceu em 1810. Coitadas das artes que dependem das efemérides para atrair público. A música clássica é talvez a que mais se serve desta muleta para construir suas temporadas de concertos.

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