Saramago lança "O Homem Duplicado"

Chega às livrarias de Brasil e Portugal no dia 7, o novo romance do Prêmio Nobel de Literatura, sobre um professor de história que encontra seu duplo em filme

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Por Agencia Estado
Atualização:

O nome é pomposo, mas a vida é comum. Até que o professor de história Tertuliano Máximo Afonso decide aceitar a sugestão de um colega, que dá aulas de matemática para o segundo grau, e aluga uma fita de vídeo para combater o marasmo ou a depressão - "Depressão ou marasmo, dá igual, a ordem dos factores é arbitrária". O filme é simples, nada demais, apenas uma distração, mas traz algo que vai mudar, literalmente e por completo, a vida de Tertuliano - que, aliás, prefere ser chamado de Máximo Afonso. Na fita, encontra um ator secundário que é o seu duplo, ou clone, como já se diz mais correntemente. O protagonista busca, então, descobrir seu nome, assiste a vários filmes da mesma produtora, até que se depara com António Claro, que usa ainda um terceiro nome, artístico. Assim pode ser, numa breve sinopse, resumido o enredo de O Homem Duplicado (Companhia das Letras, 320 págs., R$ 36), novo romance do Prêmio Nobel de Literatura de 1998 José Saramago. A obra chega, no próximo dia 7, às livrarias do Brasil e de Portugal. "Os nomes desses personagens não têm mais importância que os de quaisquer outros", afirma Saramago. "Repare que o próprio António Claro usa o nome artístico de Daniel Santa-Clara e quanto ao professor de história, a única razão de se chamar assim resultou de querer eu dar-lhe um nome pomposo." Se Saramago escolheu o nome, "o Destino se encarregará de lho mudar". A história não é, exatamente, original. Não cabe, talvez citar a novela O Clone, de Glória Perez. Com justeza, pode-se lembrar dos duplos de Borges. E, apenas para lembrarmos de um exemplo recentíssimo, O Anônimo Célebre, do brasileiro Ignácio de Loyola Brandão, em que o personagem principal busca, por todos os meios, ocupar a vida alheia - também um ator. Saramago, no entanto, prefere citar outros nomes, ainda mais distantes no espaço e no tempo: "Também poderia ter citado António José da Silva, Camões, Molière, Giraudoux, Hacks - e Plauto..." (o autor teatral nascido na Umbria, em 259/251 a.C.). Continua o romancista: "Todos eles escreveram sobre o tema de Anfitrião, o rei tebano cuja figura é tomada por Júpiter para lhe seduzir a mulher, Alcmena, e fazer nela um filho, nada mais nada menos que Hércules... Essa é a primeira história que se escreveu sobre duas pessoas exactamente iguais." (como a entrevista foi realizada por escrito, está-se mantendo a ortografia portuguesa, exatamente como é mantida nos livros do autor). E por que, então, Saramago decidiu retomar o tema? "Quanto a mim, ocorreu-me uma manhã em que me estava a barbear e de repente ´apareceram-me´ as três palavras do título. Muito simples, como vê." O romance traz, como epígrafe, uma citação de Laurence Sterne - "Acredito sinceramente ter interceptado muitos pensamentos que os céus destinavam a outro homem." Sterne é autor da sátira A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristam Shandy, citado expressamente por Machado de Assis em suas Memórias Póstumas de Brás Cubas. "De Sterne só me interessou a frase que constitui uma das epígrafes do romance. Também eu, como ele, tenho às vezes a impressão de que cacei à passagem idéias que iam destinadas a outras pessoas... Nada mais", afirma Saramago. Mas, para ele, não há espaço para a sátira em O Homem Duplicado. "Humor, sim, ironia, sim, mas não sátira. E a ironia e o humor estão lá para mostrar o outro lado de situações em si mesmas sérias, mas cuja seriedade é facilmente quebrada se se altera o ângulo de visão. Essa, repito é a tarefa do humor e da ironia. Em todo caso, talvez fosse conveniente recordar que, no fundo, O Homem Duplicado é uma tragédia...". De fato, progressivamente, as vidas de Tertuliano e Claro se misturam, e os elementos trágicos ganham força. Uma outra coincidência com a obra de Machado é que Tertuliano, sabe-se logo à primeira página, também não tem filhos, como Brás Cubas. Saramago, no entanto, não acredita que possa haver qualquer relação entre os dois. "Não faltam na literatura personagens sem filhos. No caso de O Homem Duplicado, se Tertuliano Máximo Afonso não os tem é porque eu teria muito mais trabalho se os tivesse...", brinca. E continua: "Quanto à citação de Sterne, seria um equívoco tirar daí a conclusão de que esse autor me influenciou. E quanto a Machado de Assis, limito-me a dizer que o ponho ao lado de Eça de Queiroz, precisamente ao lado, nem um passo à frente, nem um passo atrás." Na opinião de Saramago, "se há alguma relação com outro romance" de sua autoria, ela seria com Todos os Nomes". "Tanto num como noutro, a questão central é o outro, a existência do outro (quem é o outro?), agravada neste último romance pelo facto de o outro ser um outro eu..." O tema, no entanto, é tão contemporâneo quanto o de A Caverna, seu romance lançado em 2000, uma visão crítica da sociedade de consumo e de seu templo, o shopping center. "Na primeira fase do meu trabalho predominou, é certo, o interesse por temas do passado próximo ou distante, como é o caso de História do Cerco de Lisboa e de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, mas a partir de Ensaio sobre a Cegueira o meu campo de acção tornou-se, digamo-lo assim, intemporal. Tudo o que acontece nesses romances - Todos os Nomes, A Caverna, O Homem Duplicado - aconteceu acontece ou virá a acontecer em qualquer tempo e em qualquer lugar." O escritor português, numa passagem pelo Brasil há dois anos, afirmou que não gosta muito de falar de literatura - prefere mesmo falar de política. Apesar disso, e de sua filiação à esquerda, não quis falar muito sobre a recente eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência do Brasil. Deixou, apenas, um registro: "Digo apenas que é a oportunidade que o Brasil tem nas mãos para se tornar naquilo que os seus amigos sonharam de melhor para os brasileiros." Serviço - O Homem Duplicado, romance de José Saramago. Companhia das Letras. 320 págs. R$ 36. Nas livrarias a partir do dia 7

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