São Paulo retoma os tombamentos

Já são 25 imóveis ou bem artísticos protegidos no último ano e meio, entre eles três prédios de Vilanova Artigas

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Por Agencia Estado
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Praticamente inexistente durante os anos da gestão de Celso Pitta (1996-2000), a política de tombamentos de edifícios, monumentos e bens artísticos em São Paulo sofreu um incrível processo de aceleração. Já são 25 aberturas de processo ou tombamentos efetivos no último ano e meio. Na era Pitta, houve só um tombamento efetivo. Entre os prédios recém-protegidos estão três importantes edifícios construídos pelo arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985): o edifício Louveira, na Praça Vilaboim; a casa Rio Branco-Paranhos, no Pacaembu; e a sede do Santapaula Iate Clube, em Interlagos. Artigas tinha um pressuposto célebre: "É preciso fazer cantar os pontos de apoio." O Santapaula Iate Clube resume o cerne desse aforismo, concentrando uma série de brincadeiras "antigravitacionais" do arquiteto. Assim como Niemeyer e Lúcio Costa vincularam o Rio à arquitetura européia, Artigas exercitou em São Paulo os ensinamentos de Frank Lloyd Wright, aproximando-se da arquitetura americana. A casa Rio Branco-Paranhos é talvez a mais wrightiana das obras de Artigas, que chegou a trabalhar com o americano. "Wright me deu uma visão do mundo: o respeito à natureza do material, procurar a cor tal como ela é na natureza", disse Artigas. "Aconteceu que toda essa ética me levou a compreender também, pelos cantos, a problemática do povo brasileiro, da nossa condição de subdesenvolvidos. Percebi que a arquitetura estava ligada a uma problemática nacional e popular, e que era preciso arranjar uma ética que me reconciliasse com os ideais do povo brasileiro." Além dos prédios de Artigas, há imóveis de grande importância arquitetônica no lote, como o antigo Asilo do Jaçanã, na Avenida Guapira (Jaçanã), um projeto do escritório Ramos de Azevedo. Ou então símbolos de uma era de fausto e glamour da capital, como o palacete de Dona Veridiana Prado, hoje um clube na Avenida Higienópolis (esquina com Dona Veridiana). O casarão é um exemplo de uma era de vilas afrancesadas, grandes e animados salões para boas-vidas amantes das porcelanas Limoges e dos cristais Baccarat. Existem poucos imóveis assim, como o de Laurinda Santos Lobo (em Santa Teresa, Rio), ou a Villa Kyrial, na Vila Mariana. O Conselho do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Compresp) determinou também a abertura de processo de tombamento para uma ruína, a capela de São Sebastião do Barro Branco, na Avenida Nova Cantareira (Água Fria). "A capela estava semi-arruinada, mas mesmo assim o conselho considerou que ela representava um marco histórico na região e seu tombamento era necessário", explica o arquiteto Walter Pires, assistente-técnico do Departamento do Patrimônio Histórico do município (DPH). Erguida em 1872, a capela foi construída na região conhecida como Chácara dos Padres, de propriedade dos jesuítas. Consta que a última missa ali ocorreu em 1950, com a capela já parcialmente destruída. Outro imóvel importante é a Vila Uchoa, que também foi o Colégio Des Oiseaux, ou colégio francês. Com luminárias art nouveau e pintura de flores nas paredes, foi demolido pela ignorância urbana, mas deixou uma área envoltória importante. Na Rua Vergueiro, 7.290, está a Capela do Cristo Operário, outra jóia protegida. Construída em 1950, tem três murais e quatro vitrais pintados por Alfredo Volpi, obras de Geraldo de Barros e Yolanda Mohaly, duas esculturas de Moussia Pinto Alves e jardins, hoje descaracterizados, projetados por Burle Marx. Algumas decisões ratificam outras do Condephaat, órgão estadual do patrimônio histórico. Outras simplesmente efetivam decisões que já haviam sido tomadas. É o caso do Colégio Des Oiseaux, na Rua Marquês de Paranaguá, 115, que tinha sido objeto de processo de tombamento em 1999 - nunca publicado. E já existem cerca de cem novos pedidos sendo examinados no DPH. "É uma questão de política interna da atual gestão", diz Walter Pires. "Nosso trabalho é o de estabelecer prioridades entre os vários processos." Paisagem - Além de obras de Volpi e Geraldo de Barros, prédios, residências, três marcos quilométricos, a Penitenciária do Estado, duas igrejas e três clubes, os novos tombamentos (ou aberturas de processos de tombamento) contemplam também a paisagem paulistana. É o caso da área do Mirante do Jaguaré, na zona oeste da capital. Para inibir a construção de prédios demasiado altos na região, corrigiu-se uma decisão de 1999 e ampliou-se a área envoltória do Mirante. Ali, está instalado um dos marcos da cidade, a Torre do Relógio, inaugurada na década de 40. Muitas construções já descaracterizadas também entraram no lote do Compresp recentemente. É o caso da antiga Escola de Primeiras Letras (Rua Aguiar de Barros, 160, no Bexiga). É um imóvel construído em 1879, na antiga chácara do Barão de Limeira. Visto de fora, parece apenas uma caixa sem interesse arquitetônico maior. Para a urbanista Regina Meyer, o lote "inflacionado" de bens tombados recentemente parece ser de notório interesse, não tem nada de inadequado. "Se não fossem tombadas, muitas dessas coisas iam se perder", afirmou. Ela foi diretora do Departamento do Patrimônio Histórico nos anos 80, durante o governo de Mário Covas. Regina adverte, no entanto, para a proteção do bem tombado, algo que cria uma grande responsabilidade para o governo. Ela cita o caso do tombamento do Parque do Ibirapuera, processo que se iniciou nos anos 80 e foi concluído na gestão de Celso Pitta. "A área em torno do Ibirapuera se tornou um filé mignon para a especulação imobiliária", considera. "Está acontecendo um processo especulativo para todos os lados." O tombamento também cria uma situação de "engessamento" do entorno do imóvel que tanto pode ser uma coisa boa ou acelerar a deterioração. Para o presidente da Associação Viva o Centro, Marco Antonio Ramos de Almeida, o centro da cidade já tem um número grande de bens tombados (cerca de 700 edifícios históricos). Ele pondera que o tombamento é importante, mas é "fundamental que não signifique um ônus, e sim o reconhecimento do valor cultural e histórico do bem tombado". Para a Prefeitura de São Paulo, a frente feérica de tombamentos visa a reproduzir uma política já desenvolvida durante a gestão de Luiza Erundina, que seria a de dar reconhecimento público a marcos da comunidade paulistana. "É uma estratégia de retomar a política da Marilena Chaui (ex-secretária municipal de Cultura)", afirmou o arquiteto Walter Pires, do DPH. Regina Meyer coordenou apenas três tombamentos durante sua gestão no Departamento Histórico: o Matadouro (hoje sede da Cinemateca Brasileira), a Casa Modernista e o Parque da Aclimação. "Naquele instante, era mais importante concluir o inventário do patrimônio histórico na cidade, senão os tombamentos seriam feitos de maneira aleatória", considerou. A Associação Viva o Centro ainda "chora" a perda de um dos mecanismos mais efetivos de preservação de bens históricos da região, na opinião dos seus dirigentes. O Tribunal de Justiça derrubou no mês passado artigo da Lei 12.349 da Operação Urbana Centro, que permitia a transferência de potencial construtivo de bens tombados. Em outras palavras, isso significa o seguinte: o dono de um imóvel tombado em área da Avenida Paulista podia transferir parte do seu "espaço aéreo" (o espaço onde caberia um prédio de 30 andares, por exemplo) para outros imóveis em construção em diferentes regiões da cidade. O proprietário pagava por isso. O Ministério Público não achou razoável esse mecanismo, pois colocava em risco regras de zoneamento do município. Hoje, o dono de algum imóvel tombado na região central da cidade pode transferir seu "espaço aéreo", mas só para a própria área do centro.

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