Sandra Cinto ocupa a Casa Triângulo

Ela cria uma potente instalação, onírica e silenciosa, que transforma o andar superior de um casarão construído em 1924, após quatro anos de ausência das galerias paulistas

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Por Agencia Estado
Atualização:

Em seu mais novo trabalho, uma instalação feita especialmente para a Casa Triângulo, Sandra Cinto mostra outra vez porque conseguiu se afirmar em pouco mais de uma década como um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira. Aliando os mais diferentes meios de expressão (escultura, desenho, fotografia...) ela cria uma potente instalação, que transforma o andar superior de um casarão construído em 1924, na Rua Bento Freitas, centro de São Paulo, em um espaço ao mesmo tempo íntimo e onírico, em um comentário sobre o desgaste do tempo e a possibilidade de reconstrução, a necessidade de reunir os cacos e criar a beleza possível por meio dos pequenos gestos. A instalação é uma reunião de diferentes elementos, que devem ser examinados num vaivém entre o todo e o particular. Retrabalhando elementos típicos de uma casa, como o livro (mais uma vez ela utiliza esse objeto altamente simbólico como peça de composição escultórica, criando uma espécie de coluna instável que sustenta a viga central da casa), a cadeira, o vaso de flor, a cristaleira e o aparador, ela cria vários núcleos poéticos, que acabam por estabelecer um todo coerente e complexo. O nexo entre os mais diferentes elementos - assim como a sensação física, quase concreta, de que estamos submersos num espaço tangível - é reforçado pelo fato de tudo nessa casa estar pintado de um verde estranho, refrescante e lúgubre. Em alguns casos, o que está presente é a lembrança do objeto, transformado em escultura, como a peça em forma de aparador que recebe o visitante logo na primeira sala. Com um pé torneado, outro absolutamente retilíneo e uma largura incompatível com os padrões normais, essa peça serve de apoio para um dos trabalhos centrais da mostra: três fotografias nas quais Sandra introduz a questão do tempo. Na primeira delas vemos uma cadeira velha, na própria casa em demolição onde a artista a encontrou. Na segunda imagem, o móvel aparece recuperado num belo parque, cercado por uma avó e seus netos (uma homenagem de Sandra à avó, morta recentemente). Um dos meninos olha para o passado com uma luneta de papel; o outro para o futuro, para a terceira imagem, que não existe. O terceiro quadro recostado no aparador é na verdade um papel fotográfico revelado totalmente branco. "É uma imagem do futuro", diz a autora. O tempo também é elemento essencial nas outras peças da exposição, estando presente na mesa que sustenta as imagens de um vaso em cacos e depois do mesmo objeto recolado e cheio de flores - um exemplo da beleza que Sandra diz estar buscando no momento. Não é à toa que seu pé repousa sobre uma frágil ampulheta de vidro. Ele também é quase palpável na sala que a artista apelidou de quarto das crianças e que abriga formas mais lúdicas, como um grande círculo vazado que se projeta da parede. Em quase todos os ambientes da exposição, há a presença marcante e solitária de colunas torneadas e ornamentais, que remetem diretamente a Magritte (referência essencial na obra de Sandra, com Brancusi e Giacometti) e funcionam como uma espécie de personagem anônimo, de habitante dessa casa ao mesmo tempo acolhedora e vazia, melancólica. Presença que só confirma uma das características mais interessantes do trabalho de Sandra: sua capacidade de avançar em direção a novos campos de investigação plástica e temática, sem abandonar elementos essenciais de sua produção anterior. Na sala dos desenhos, que perderam no detalhe, mas ganharam maior dinamismo, que compõem uma sucessão de cascatas e ondas em diferentes tons de preto, o aspecto onírico do trabalho é reforçado. É como se ela propusesse uma espécie de viagem assustadora e fascinante, como a realizada por Wendy e Peter Pan ou Alice no País das Maravilhas. Como no mundo do faz-de-conta, sempre acordamos, mas diferentes do que éramos antes. Afinal, o sonho, como a arte, deve ter o dom de nos modificar. Serviço - Sandra Cinto. De terça a sábado, das 11 às 19 horas. Casa Triângulo. Rua Bento Freitas, 33, São Paulo, tel. 3331-5910. Até 3/10. Abertura nesta quinta-feira, às 20 horas

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